Livro inédito de Foucault vem coroar a sua História da Sexualidade

Chama-se Les Aveux de la Chair (As Confissões da Carne) e foi lançado esta quinta-feira pela Gallimard, mais de trinta anos após a morte do autor, que deixou uma carta a dizer que não queria edições póstumas.

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Michel Foucault (1926-1984) dr

Chegou esta quinta-feira às livrarias francesas Les Aveux de la Chair, de Michel Foucault (1926-1984), um extenso volume de 450 páginas que vem fechar a monumental obra a que o filósofo dedicou os seus últimos anos de vida, a História da Sexualidade, cujos três primeiro volumes – A Vontade de Saber (1976), O Uso dos Prazeres (1984) e O Cuidado de Si (1984) – foram publicados em Portugal, em meados dos nos anos 90, pela Relógio D’Água, cujo responsável, Francisco Vale, disse ao PÚBLICO que iria agora tentar conseguir os direitos para editar também este quarto e último tomo.  

Se a publicação de um inédito de Michel Foucault, um dos mais importantes filósofos franceses, autor de obras como História da Loucura, As Palavras e as Coisas ou Vigiar e Punir, seria sempre um grande acontecimento editorial, este lançamento é-o por maioria de razão, não só pela dimensão e relevância da obra, mas também pela tensão provocada pelo facto de ser público que o autor, pouco antes de morrer, em 1984 – foi a primeira figura pública francesa a morrer de complicações associadas à SIDA –, deixou uma carta a dizer expressamente que não queria edições póstumas.

A decisão de, mesmo assim, publicar o livro começou a desenhar-se em 2013, quando o companheiro de Foucault, Daniel Defert, vendeu à Biblioteca Nacional de França os arquivos do filósofo, incluindo o manuscrito e uma versão dactiloscrita de Les Aveux de la Chair. Um sobrinho do autor, Henri-Paul Fruchaud, explicou que o aparecimento destas duas versões, a juntar a uma terceira, incompleta, já nas mãos da Gallimard, veio permitir realizar uma edição adequada e ajudou a convencer a família de que o livro devia ser divulgado.

A estes motivos de interesse acresce a pertinência que as indagações de Foucault mantêm. Se é verdade que alguns especialistas na sua História da Sexualidade, como Stuart Elden ou Chloë Taylor, já vieram avisar que não se deve esperar que o livro tenha particular relevância para as discussões actuais em torno das questões do consentimento ou do asssédio sexual, serão talvez poucos os portugueses que, por estes dias, não se mostrem dispostos a reconhecer alguma actualidade numa obra que estuda as prescrições relativas às práticas sexuais propostas pelos chamados Padres da Igreja, de S. Justino a Santo Agostinho. Ainda que Foucault procure demonstrar que a patrística se limitou em boa medida a adoptar recomendações de conduta propostas por filósofos pagãos da Grécia antiga e do mundo romano. 

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