Fará sentido manter os círculos eleitorais da emigração?

Mais de um milhão de eleitores para apenas quatro deputados dificilmente alterará a atenção dada à diáspora na AR.

Como noticiado neste jornal no passado dia 15 de dezembro, o Governo português apresentou à Assembleia da República uma proposta legislativa de alteração do regime de recenseamento eleitoral no estrangeiro, tornando-o automático para todos os cidadãos nacionais titulares de cartão de cidadão com morada no exterior. Deste modo, de acordo com o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (SECP), o número de recenseados fora de Portugal quadruplicaria, passando dos atuais 300 mil para um milhão e 375 mil.

Caso sejam aprovadas, estas alterações à lei do recenseamento terão um enorme impacto. De realçar que, contrariamente ao que acontece com a alteração da morada dentro do território nacional, caso um cidadão português mude a residência para fora do país, não só o recenseamento junto do consulado mais próximo não é automático, como o recenseamento em território nacional é cancelado, fazendo com que esse cidadão ou cidadã perca efetivamente a sua capacidade eleitoral — ativa (direito de voto) e passiva (direito de se apresentar a eleições). Por esta razão, são muitos os milhares de portugueses no estrangeiro que vêm a sua participação cívica e política dificultada pelas regras impostas pelo seu país de origem. As mudanças propostas pelo SECP, facilitando essa participação, são portanto de louvar.

Olhando para os números há, no entanto, outras questões que se colocam. Com mais de um milhão de recenseados, a emigração (Europa e Fora da Europa) corresponderia ao terceiro maior círculo eleitoral, apenas ultrapassado pelos círculos do Porto (com cerca de um milhão e 500 mil eleitores) e Lisboa (cerca de um milhão e 900 mil). No entanto, se estes círculos no território nacional estão atualmente representados por 39 (Porto) e 47 (Lisboa) deputados, os círculos da emigração estão representados por apenas quatro deputados.

E, uma vez mais, o estatuto dos círculos da diáspora é particular: de acordo com o artigo 13.º da Lei Eleitoral da Assembleia da República, o número de deputados atribuído a cada círculo é calculado antes de cada eleição, dependendo do número de recenseados nestes círculos; no entanto, os dois círculos da emigração estão excluídos. Significa isto que, apesar do quadruplicar do número de recenseados no estrangeiro, a sua representação na Assembleia da República se manterá nos quatro deputados.

Se se confirmarem estas alterações, devemos questionar-nos se fará sentido manter os dois círculos da diáspora. Não será uma melhor medida permitir que os portugueses residentes no estrangeiro votem diretamente nos círculos do território nacional, aumentando a sua representação e, desse modo, motivando-os para participar no processo eleitoral? Provavelmente, sim. Os próprios partidos políticos prestariam mais atenção à diáspora caso este cenário se verificasse: mais de um milhão de eleitores para apenas quatro deputados dificilmente alterará a atenção dada às temáticas da diáspora na AR; mas esse número de eleitores a votar para eleger um número bastante maior de deputados fará, certamente, com que mais atenção seja prestada aos portugueses emigrados.

Esta pode, aliás, ser uma boa razão para se proceder a uma reorganização dos círculos eleitorais portugueses. Ultrapassando a figura anacrónica dos distritos, esta reorganização deverá garantir uma maior representatividade dos cidadãos, o que pode passar pela redução do número total de círculos eleitorais e, sobretudo, pela criação de um novo círculo nacional de compensação, onde sejam contados todos os votos que, nos outros círculos, não serviram para eleger deputados.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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