Já não há mistérios na ópera para crianças de Viseu

Mais de mil crianças de Viseu estiveram a ser “preparadas” para a ópera. Por umas horas foram solistas, compositores, maestros e personagens das histórias que este género musical canta. Trata-se do projeto “Ópera no Património” que agora chega às escolas

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Igor Ferreira

A história até pode ser em alemão ou italiano, mas a música e o canto, mais alegre ou mais sombrio, ajudam a perceber porque é que a Rainha da Noite é má e Papageno, o caçador de pássaros, é um bocadinho trapalhão. Já não há mistérios na ópera a Flauta Mágica de Mozart para as mais de 1000 crianças do 1.º ciclo de oito escolas de Viseu que participaram em sessões pedagógicas do projecto “O.P. (us) — Ópera no Património”.

“O mais importante numa ópera é contar uma história e a palavra que mais se diz é adeus”, conta Gaspar Gomes, de sete anos, no final da “aula” que foi orientada pelo tenor Paulo Lapa. O que lhe ficou na memória foi a Rainha da Noite porque assim que a ouviu “já sabia que era má”. É a música a contar o que se vê, a criar emoções e esta foi a lição que um grupo de crianças da Escola Rolando Oliveira aprendeu.

Através da ópera escrita no século XVIII, os meninos descobriram o que faz um compositor, que treino devem ter os cantores, qual o papel que cabe aos bailarinos e o que comanda um maestro. Eles próprios foram maestros e músicos ao entoarem sons de acordo com as ordens que as mãos davam. Desmistificaram palavras tão difíceis de pronunciar e entender como “diafragma”, mas surpreenderam ao gritarem Beethoven quando viram o rosto de Mozart.

“A ópera também é música”, resume o pequeno Rafael Luís. A ópera é, para quem a aprecia, “a síntese de todas as expressões artísticas”.

“Desencarcerar” a ópera

O projeto “O.P.(us) — Ópera no Património” arrancou em 2017 e envolve seis municípios da região centro. Resulta de um investimento com recurso a fundos comunitários no valor de 971.502 euros e consiste, além das sessões nas escolas, na realização de concertos em monumentos e espaços patrimoniais e outras iniciativas que envolvem a comunidade.

O programa contempla também conferências, roteiros turístico-culturais, visitas ao património e aos museus de cada município até 2019. Além de Viseu, que já recebeu concertos em setembro do último ano, o projecto estende-se à Batalha, Leiria, Pinhel, Vila Nova de Foz Côa e Coimbra.

“Este projecto está muito bem construído. O facto de ser prolongado no tempo permite um trabalho diferente. Não é uma coisa que se faz e vamos embora. Pelo menos, durante os próximos dois anos sabemos que não estamos só a fazer espectáculos mas também a criar públicos”, realça Paulo Lapa.

O jovem tenor diz estar “surpreendido” com a reacção das crianças e convencido de que, no final, o balanço vai ser “francamente positivo”.

“A recepção é fantástica. Eu já fiz isto para muitas idades diferentes e, como em quase tudo, a reacção das crianças é muito intensa e expontânea e isso tem outro sabor”, sublinha.

Com um percurso musical iniciado na guitarra clássica, Paulo Lapa optou por seguir os estudos na área do canto e foi nos Estados Unidos que concluiu a sua formação. Usou a experiência na América para construir este programa da ópera nas escolas.

“Aqui é a primeira vez que estou num projecto de raiz que tem como objectivo não só apresentar ópera mas dar-lhe alguma preparação e depois continuidade. É importantíssimo formar o público e porque não começar por aqui”, sustenta, lembrando que com a idade das crianças que agora está a preparar não tinha as mesmas oportunidades. “Já vão ser as crianças a pedir aos pais para irem a um espectáculo de ópera”, garante.

E este é um dos objectivos deste projecto, salienta Jorge Sobrado, vereador da Cultura na Câmara de Viseu. “É muito interessante que a proposta seja para a ópera porque é consensual que se trata de um género que está quase num nicho de público. Isto está, de alguma forma, a desencarcerar a própria ópera para que ela chegue às pessoas que não são os frequentadores habituais destes espectáculos”. Para o autarca, trata-se da “descentralização cultural” de uma expressão artística que não existe com regularidade na generalidade das cidades portuguesas.     

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