Basta querer, para ter!

O Zé Barbeiro ofereceu-nos uma sábia lição de vida ao lembra-nos que na base de tudo o que é importante está o são convívio de uns com os outros.

Gostei imenso de ler a entrevista do Senhor José Nicolau de Oliveira, se me permite carinhosamente, do Zé Barbeiro, feita pelo Eduardo Carvalho e ilustrada com as fotos da Margarida Silva publicada na edição n.º 17 do Jornal da Região Oeste. É que quando lhe perguntaram “Quais considera serem os pontos mais positivos da sua profissão”, respondeu: “É estar próximo das pessoas, e´ o convívio que se gera ao longo dos anos. Eu nunca tive outro emprego, por isso também não sei como seria noutra profissão. Mas o que destaco e´ ter a oportunidade de ser próximo dos meus clientes, ter convívio com as pessoas.”

Nesta resposta revelou um sábio sentido do que realmente tem valor, e ajudou-nos a reconhecer aquilo a que devemos dar prioridade: ao são convívio de uns com os outros e à importância dos instantes do nosso dia-a-dia, em especial do modo de lidar com o que nos desagrada ou com aquilo com que não nos identificamos. Isto lembrou-me um momento da vida à lisboeta, que vivi no regresso às lides do meu costumeiro passeio à Baixa. Não resisto em contar até porque é divertido.

Estava à espera do elevador público, no parque de estacionamento do Chão do Loureiro (átrio do supermercado), para subir para a Costa do Castelo.

"Desculpe. Quieto, não faças isso." Pareceu-me que era comigo.

Olhei para trás, e um cão levou um puxão pela trela do dono que sorriu. Não reparei bem o que era.

O elevador abriu as portas. O casal, estilo padaria fina e calça veludo cotelê, apoderou-se do salão do elevador. No espaço do canto, consegui espaço. Entrou depois o cão, cabeça a raspar o chão, magricelas, e o dono. Janado. O casal espalmou-se um no outro e sumiu-se do salão para o canto mais à mão. Espalmado junto à porta de saída.

À minha frente tenho então o Janado, com o cão entre as pernas a olhar para mim com um ar de infrator. Reparo que nas mãos tem um valente charro. Saiu-me num tom agradável: "Parabéns. Consegue fazer tudo o que não é permitido. Fumar no elevador e transportar um cão." O casal, lívido, ciente que a mortandade se aproxima e que não consegue fugir dali, olha-me com frenesim esperando que o Janado me corte as goelas. E que o veludo fique respingado com salpicos das minhas goelas. Mas nada disso. "Pois é, mas o cão porta-se bem e isto está apagado." 

Sorrindo, disse-lhe: "Não. Eu não estava a criticar. Estou a reconhecer que tem razão. Eu é que não tenho razão no que estou a dizer." Respondeu ele: "Não. Tem razão. Lá em baixo está a dizer que é proibido. Mas nunca ninguém me disse nada. Conheço os seguranças e os polícias e até lhes aperto a mão. E até sou sincero: isto não é um cigarro, é um charro. Mas que diferença faz?"

O elevador pára, a porta abre-se e o veludo cotelê... é celestialmente sugado para fora... Com deferência, disse-lhe. "O cão primeiro." Respondeu, agradado: "Não faz mal, pois não?" Respondi: "Boa disposição, não".

Lá saimos, então, andando e sorrindo como dois estimados conhecidos. A malta à porta do elegante Restaurante Zambeze, meia baralhada... mas com a amistosa conversa do Apessoado com o Janado e emporcalhado rapper. Digo-lhe "Viu: eu tinha razão. Parvo é o que diz alguma coisa." Sorriu, e disse-me: "É mais ou menos isso..."

Pois bem, indiferente e calado não consegui ficar. Mas à paulada é que não. Acredito na força da boa disposição e que são as pequenas coisas que nos conduzem às grandes. Os tempos que vivemos revelam excessos de materialismo, de consumismo, de exibicionismos e de deslealdades. Em que a família e a empresa perderam o papel essencial de estruturas de integração do individuo na comunidade, em favor da afirmação de um individualismo orientado em favor do accionista maioritário, e de uma perversa hegemonia financeira sobre a coesão social, de que a esterilização de bairros históricos lisboetas ou de empresas centenárias que funcionam como autênticas bóias sociais são exemplos à vista de todos. Um pouco por toda a parte surgem sinais de radicalização de uns contra os outros, e de uma dinâmica de fragmentação no convívio, incluindo entre Estados, em que o America First é um acelerador de fôlego muito preocupante, bastando pensar nas ondas de choque que a reforma fiscal do Senhor Trump irá desencadear à escala global. Vivemos tempos de transição e mudança que a meu ver desencadeiam uma transformação social e tecnológica que recomendam a ponderação do período de 2018-2020 como o início do aceleramento de uma viragem social muito profunda. O Zé Barbeiro ofereceu-nos uma sábia lição de vida ao lembra-nos que na base de tudo o que é importante está a proximidade, o são convívio de uns com os outros.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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