Tem de ser, não é?

Neste mundo só existe o que é preciso e o que é pior. Não há nada no meio e não há nada nas pontas. Não há literalmente mais nada.

"Mais alguma coisa em que o posso ajudar?" Não são só as conversas telefónicas que já estão escritas de antemão.

Há também um vasto teleponto no céu que põe os portugueses a ler as mesmas malhas vez após vez após vez, até se tornar num guião dormente de que já ninguém consegue escapar porque já não tem sequer consciência de fazer parte dele.

"Estava tudo em ordem?" assinala o início de uma conversa que expurga qualquer amor à vida.

Se mentirmos com um "Sim" dizem "Isso é que é preciso!" Se dizemos não, o sorriso é ligeiramente menos fraudulento mas a indiferença é a mesma. A resposta passa a ser "Isso é que é pior!"

Neste mundo só existe o que é preciso e o que é pior. Não há nada no meio e não há nada nas pontas. Não há literalmente mais nada. Não há o que é bom apesar de ser preciso — muito menos o que é preciso precisamente por ser pior.

Depois de um "Isso é que é pior" o máximo que se pode esperar antes de pagar a conta e dar à sola é um filosófico "acontece". Se um cliente tem azar pode sujeitar-se a ouvir a versão completa, inexplicavelmente auto-congratulória: "acontece aos melhores". Os melhores, caso não tenha percebido, são eles, as pessoas que lhe mandaram um caixote de copos partidos pela garrafa de espumante que estupidamente acrescentaram à embalagem.

Aqueles que assistem à nossa queixa, vendo-nos encharcados de chuva e maçados até ao tutano, comentam com o mesmo jeitinho português para a empatia: "Tem de ser, não é?". E não é que têm — diabolicamente — razão?

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