O Porto inteiro numa instalação com 400 caras

A 13 de Janeiro inaugura-se na Lello a exposição O Rosto do Porto, que reúne em dia de celebração dos 112 anos da livraria 400 bustos de personalidades anónimas e mediáticas da cidade.

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A atleta e campeã olímpica Fernanda Ribeiro é uma das 400 personalidades que vai integrar a exposição Nelson Garrido
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Nelson Garrido
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Nelson Garrido

Frente a frente, a escultora Ester Monteiro molda no barro o rosto da atleta campeã olímpica Fernanda Ribeiro. Não é a primeira vez que a antiga especialista em corridas de fundo e meio fundo serve de modelo para uma escultura. No museu do Futebol Clube do Porto, clube que representou, tem uma estátua em tamanho real. É, no entanto, a primeira vez que o faz in loco, desta vez para a modelação de um busto, que é um dos 400 que foram modelados nos últimos dois meses pela artista plástica especializada em escultura que farão parte da instalação O Rosto do Porto que se inaugura a 13 de Janeiro na Lello, dia que assinala os 112 anos da livraria.

Este é dos últimos bustos que faltam modelar. Na altura em que visitamos os Armazéns do Castelo, desde 2016 propriedade da Lello, espaço usado pela escultora como base de trabalho para a modelação da maior parte das esculturas, faltava apenas um dia para o período de produção findar. Terminou no último sábado. 

“É mais fácil correr do que estar aqui sentada a fazer pose”, diz a atleta que no final do processo se mostrou satisfeita com o resultado. 

Do rol de retratados, além de Fernanda Ribeiro, fazem parte figuras mediáticas com ligação à cidade que se distinguiram em áreas como a política, as artes ou o desporto.  Mais fáceis de reconhecer serão os bustos de Nuno Carinhas, Richard Zimmler, Alexandre Quintanilha, João Botelho, Sobrinho Simões, Manel Cruz, Souto Moura ou Siza Vieira.

Uma homenagem aos portuenses

Não só de figuras mediáticas é feita a cidade. Explicam Maria Inês (que assina como Minês) Castanheira e Catarina Rocha, directoras artísticas do Bairro dos Livros, cooperativa cultural responsável pelo projecto, que do conjunto dos bustos que compõem o trabalho a maioria é de “gente anónima”, que é parte da mancha humana que todos os dias faz do Porto a cidade que é. E que cidade é essa? É uma cidade composta por pessoas que contribuem directamente para a construção de uma identidade vincada e com personalidade. Será por isso esta instalação “uma homenagem à cidade e aos portuenses”. Há outros portuenses anónimos, mas que muita gente os reconhece como figuras da cidade. Também lá estão Manel do Laço, o Sr. Alcino Sousa, do Bolhão, e a D. Hermínia da Taberna de Santo António.

“A parte interessante é que normalmente os bustos são reservados para personalidades. Um anónimo ter a oportunidade de partilhar um busto que estará lado a lado com o de personalidades mais conhecidas é algo de inédito”, dizem.

Como responsável pela selecção dos “retratados” esteve a direcção artística do Bairro dos Livros. Os critérios passaram por escolher todos os que fazem parte “da rede de pessoas que partilha a cidade”. Outro critério foi incluir nessa lista quem também faz parte da “rede de afectos” criada pelo Bairro dos Livros ao longo dos sete anos de actividade.  

Muitos anónimos responderam também ao apelo à participação. “Nalguns casos famílias inteiras”. Desta vez não puderam participar todos. O limite ficou fixado em 400 bustos. “Quem sabe se no futuro não haverá outra oportunidade”, deixam a hipótese no ar.   

A instalação será montada nas estantes do primeiro piso da livraria. É uma instalação pensada especificamente para o local. As responsáveis adiantam que além dos 400 bustos existirão outros elementos. “Nos nichos das estantes existirá uma composição com milhares de livros que receberão os bustos”, contam. Mais pormenores só no dia da inauguração da instalação que será montada apenas na noite anterior. Preferem manter o segredo.  

“A ideia é que na inauguração as pessoas venham ver o seu busto e venham reconhecer os rostos do Porto. Queremos chamar a cidade para se reconhecer”, lançam o convite. A instalação estará exposta pelo menos durante seis meses. “Depois logo se verá”.

400 bustos, 400 horas a modelar

Ao todo, durante dois meses, foram necessárias cerca de 400 horas para modelar os 400 bustos. “Uma tarefa hercúlea”, levada a cabo pela escultora que conheceram por altura da edição do ano passado do MEXE - Encontro Internacional de Arte e Comunidade. 

Ester Monteiro participou nessa edição com o projecto que iniciou logo após ter concluído a especialização em escultura na Faculdade de Belas Artes do Porto, em 2015. Um Punhado de Gente é a designação do projecto que leva a cabo desde essa data e motivou o convite feito pela Bairro dos Livros. 

Foi no Aldoar Peça a Peça que fez a primeira experiência mais “a sério”. Depois dessa incursão passou pela Bienal de Coruche e pelo Encontrarte Amares. Só depois chegou ao Mexe.

Ester explica que associado ao processo de criação por detrás do Um Punhado de Gente está o contacto directo com o modelo. O busto em barro do tamanho de um punho é modelado em tempo real na presença do retratado. Cerca de 45 minutos “na melhor das hipóteses” é o tempo que leva terminar a primeira fase – a modelação. Só uma semana depois é que as peças vão ao forno para cozer.

Para a instalação da Lello produziu entre oito a dez bustos por dia. “Não nego que ao final do dia por vezes fico exausta”, afirma, acrescentando que foi um desafio que aceitou de forma consciente e que diz estar a superar. “Não é por isso que o trabalho é afectado. O contacto com os modelos ajuda a focar”, conta. 

Anónimo ou figura mais mediática diz haver diferenças na potencial pressão que poderá sentir na altura de modelar bustos para a segunda hipótese. Houve apenas um caso em que a pressão subiu. Foi quando se deslocou até ao atelier de Siza Vieira.

“Estava habituada a trabalhar nos Armazéns do Castelo. Saí fora de portas para ir até ao atelier dele. Tremi um bocado, mas mal peguei na ferramenta de trabalho esqueci-me por completo do que estava à volta”, conta. 

Do trabalho que desenvolve considera mais importante o processo do que o resultado final. Dos modelos procura a expressão que os define, “um traço ou um olhar”. “O que proponho não é fazer um retrato híper realista”, explica. Faz um paralelo com a fotografia: “Se pegarmos numa máquina fotográfica, que é um objecto tão mimético, que faz cópias da realidade, e fizermos uma sessão fotográfica, em 300 fotos reconhecemo-nos em todas, mas há só uma que estará num ângulo que nos vai agradar. Se uma máquina não consegue captar aquilo que é a nossa ideia de nós como é que eu posso garantir isso em 45 minutos?”. 

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