Um país pequeno?

No desporto, como na economia, no ensino superior ou na política, Portugal parece triturar e afastar muitos dos melhores valores de que o país dispõe.

O prestígio de uma nação pouco decorre da sua dimensão. Trata-se de uma perceção mais qualitativa do que quantitativa. Os portugueses habituaram-se a desculpabilizar alguma secundarização nacional pelo facto de o nosso país ser pequeno. Contudo, Portugal é um país cuja dimensão é superior à de muitos outros. Mais de metade dos países europeus são menores que Portugal. Países bem mais exíguos do que o nosso encontram-se entre os mais prestigiados, prósperos e influentes do mundo, como são os casos da Holanda, da Dinamarca ou da Suíça (com menos de metade da dimensão de Portugal) ou da Bélgica (com menos de um terço da nossa área). É talvez a pequenez de algumas mentalidades que contribui para desperdiçar o imenso potencial individual dos portugueses, enquanto se promove a mediocridade. Este é um país que se deslumbra com intrigas, aparatos, escândalos e superficialidades em lugar de se preocupar com substância. O marketing de políticos e de partidos exerce-se parcialmente como se se tratasse de vender detergentes, o que acaba por conduzir a uma política cuja qualidade média tende a convergir com a dos detergentes. Pessoas que não sabem significativamente de nada de fundo para além da vida nas sedes e tricas partidárias tornam-se vedetas de marketing sem substância, enquanto o país está repleto de indivíduos muitíssimo mais preparados.

Parte da imagem negativa que a opinião pública mundial retém de Portugal é explicável por algum grau de desconhecimento sobre o nosso país. Contudo, uma parte importante desse desprestígio é da responsabilidade dos próprios portugueses. Evidenciamos uma política de baixa qualidade. Os salários em Portugal são pateticamente baixos em comparação com quase todos os países desenvolvidos e as empresas nacionais ridicularizam-se perante o mundo civilizado ao defender publicamente salários baixos, não só porque isso é próprio de economias primitivas como também porque é uma auto-confissão de que as empresas nacionais reconhecem ser incapazes de competir sem pagar salários pobres, contrariamente às empresas modernas de países avançados, que estão entre as mais competitivas do mundo pagando salários muitíssimo superiores.

Em quase todos os âmbitos o país parece desvalorizar imensos portugueses com um enorme potencial individual, que interesses coletivos parecem evitar que sobressaiam, talvez para que essas máquinas de interesses de menor qualidade sobrevivam.

Cerca de 100 mil portugueses emigram anualmente não apenas por falta de emprego mas também porque por cá são contratados a um nível ofensivo, num país cuja política os desvaloriza civicamente.

Incentivamos os jovens a estudar, mas dezenas de milhares de jovens licenciados, com mérito, encontram-se no desemprego enquanto jovens sem valor, à sombra de fidelidades partidárias, pulam entre empregos bem remunerados mas não merecidos. A honestidade passou a ser uma limitação em Portugal e a falta de vergonha passou a ser uma vantagem competitiva.

Portugal, súbdito do futebol, não detém muitos atletas olímpicos, mas tem uma infinidade de “desportistas de bancada” que se arrogam o direito de criticar e massacrar quem realizou um esforço gigantesco e se elevou ao grupo dos melhores do mundo, mesmo sem conseguir uma medalha. Este é um país de espectadores mas não de atores, de comentadores mas não de transformadores. Será razoável que pessoas que nem se esforçam por correr 50 metros ou nadar 20 metros corroam insultuosamente a dignidade e o valor de quem correu 40 quilómetros ou nadou 800 metros de um modo espantoso, apenas porque não ganhou uma medalha? Um desportista não é aquele que comenta o jogo da véspera e lê toneladas de jornais desportivos enquanto saboreia três cervejas de perna cruzada. Desportista é aquele que se esforça no desporto real. A generalidade dos atletas que atingiram o nível olímpico, mesmo sem medalhas, atingiu esse topo com anos de sacrifícios diários, de perda de vida pessoal e familiar, numa solitária luta enorme contra o cansaço, o esgotamento e a dor.

Um atleta olímpico que agora falhou deve ser apoiado, acarinhado e incentivado, em lugar de desprezado ou insultado, inclusive porque ele é um potencial medalhado dentro de quatro, oito ou mesmo 12 anos.

No desporto, como na economia, no ensino superior ou na política, Portugal parece triturar e afastar muitos dos melhores valores de que o país dispõe, em favor de interesses corporativos instalados. Por isso mesmo, a generalidade dos que vencem fazem-no por mérito individual mais que por apoio nacional. Muitos são ouvidos cá apenas depois de validados e ouvidos no estrangeiro.

É bem visível a ineficiência olímpica portuguesa que resulta das disfunções estruturais do nosso país. Vejamos o número de medalhas olímpicas conquistadas até agora por diversos países pequenos em comparação com Portugal. O nosso país, com dez milhões de habitantes, somou 24 medalhas. A Áustria tem apenas oito milhões de cidadãos e já ganhou 305. A Finlândia tem metade da população portuguesa e já acumulou 464 medalhas, o que significa que, por habitante, os finlandeses conseguiram quase 40 vezes mais medalhas que os portugueses. Cuba, pobre e com uma população comparável à portuguesa, ganhou 235 medalhas e a Bulgária, com dois terços da nossa população, conta com 224. A Noruega, com metade da nossa população, já ganhou 481 medalhas. A Suécia tem uma população inferior à nossa e já somou 638 medalhas. A Hungria é um país com área e população idênticas às de Portugal mas detém 497 medalhas olímpicas. Alguém acreditará que os portugueses possuem uma limitação física em comparação com outros povos? Não. Algo está errado no próprio país. Portugal não é pequeno. Funciona mal. Não sabe aproveitar os seus imensos méritos e valores individuais, no desporto como em quase todos os domínios.

Países mais pequenos que Portugal vencem, por exemplo, na atribuição de Prémios Nobel. Enquanto Portugal conta dois destes prémios, a Áustria já obteve 21 Prémios Nobel, a Hungria recebeu 13, a Noruega 13, a Suécia 31. Israel, do tamanho do Alentejo, tem 12, e a minúscula Suíça ganhou 26.

Muitos parecem lutar contra a corrupção, mas apenas em algumas direções. Talvez o Parlamento, em lugar de comissões pouco relevantes mas mediaticamente úteis, pudesse criar uma comissão para analisar os critérios de escolha de pessoas concretas que foram colocadas em milhares de cargos de nomeação política, inclusive no seio do Parlamento e em todo o país, avaliando as suas competências e a sua experiência em comparação com imensos outros cidadãos de que o país dispõe. Existirá pavor de poderem descobrir-se (ao longo de décadas) casos que aparentem configurar tráfico de influências e nepotismo, formas de corrupção e utilização de dinheiro público para, através de cargos imerecidos, pagar fidelidades em clientelas partidárias? Olho a polémica da Raríssimas (de que nunca ouvira falar) e retenho a sensação de que julgar ruidosamente uma formiga num país assolado por elefantes pode ser eficiente para desviar as atenções da nação.

Portugal não é, comparativamente, um país pequeno na Europa. Mas parece ter, em lugares controlados pelas máquinas políticas, demasiada gente “pequenina”.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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