Dezoito temas que vamos continuar a discutir em 2018

É inevitável. De ano para ano há temas que, pela importância, ou porque parecem problemas sem solução à vista, se repetem. Em 2018 já herdámos alguns deles e é bem provável que alguns se mantenham para lá do ano que agora começa. A selecção que apresentamos, não sendo exaustiva, marcará boa parte dos debates que teremos ao longo do ano.

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João Lourenço, Presidente de Angola MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
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Autoeuropa Daniel Rocha
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Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu KAI PFAFFENBACH/Reuters
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Como andará o Brexit? TOLGA AKMEN
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Que futuro para os CTT? António Borges
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Catarina Martins, coordenadora do Bloco Daniel Rocha
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Mário Centeno, presidente do Eurogrupo YVES HERMAN;
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Quem ganhará o campeonato (e a guerra dos emails?) Nuno Ferreira Santos
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Os incêndios marcaram 2017 e continuarão a dar que falar em 2018 Paulo Cunha/Lusa
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Vladimir Putin, Presidente da Rússia KIRILL KUDRYAVTSEV
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Manuel Vicente, antigo vice Presidente de Angola MICHAEL REYNOLDS
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António Mexia Nuno Ferreira Santos
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Santana ou Rio, quem vai liderar o PSD Daniel Rocha
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Professores continuam em negociações com o Governo Maria João Gala
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Santa Casa entra no Montepio? Daniel Rocha
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José Sócrates Daniel Rocha
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Tancos: à espera dos restantes segredos Rui Gaudêncio
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Patrick Drahi, líder da Altice, quer comprar a TVI Daniel Rocha

1. Angola: entre Gorbatchov e Deng Xiaoping

É cedo para fazer afirmações definitivas, mas a esperança nunca esteve tão perto dos angolanos como nos últimos meses de 2017. Quando se esperava que João Lourenço fosse apenas um José Eduardo dos Santos com outro apelido, o novo Presidente de Angola ganhou a alcunha de “Exonerador Implacável” em poucas semanas: exonerou o presidente do Banco de Angola e a presidente da Sonangol, Isabel dos Santos, entre outras figuras da família do anterior Presidente e do seu círculo mais fechado. Se é verdade que estas mudanças podem significar uma revolução no regime, o mais certo é que sirvam de base para a revolução na economia angolana – como o próprio Presidente disse à agência Efe pouco depois de ter sido eleito, a sua referência é Deng Xiaoping e não Mikhail Gorbatchov. O que legitima a pergunta: menos glasnost e mais capitalismo de Estado?

2. Autoeuropa à reconquista da paz social

O ano solar de 2018 devia ser histórico para a Autoeuropa. O ano em que a produção do novo modelo da Volkswagen, o T-Roc, impulsionaria o desempenho da fábrica de Palmela de tal forma que centenas de trabalhadores seriam contratados, o contributo para as exportações portuguesas cresceria em proporção e todos os efeitos secundários se sentiriam no tecido industrial da região. Mas a crise laboral que rebentou no Verão de 2017 pintou de negro esse cenário. O novo ano ainda pode ser histórico, mas também arrisca sê-lo pelas piores razões. A gestão da Autoeuropa avançou de forma unilateral com um modelo de trabalho para o período transitório entre Fevereiro e Agosto. Em Setembro começará um novo ciclo. Se não houver um acordo concluído com a comissão de trabalhadores e aceite pelos trabalhadores, a tensão laboral poderá começar a ter consequências sérias na produção e no futuro da Volkswagen em Portugal.

3. BCE: viver com um banco menos interventivo

O brilharete orçamental do Governo em 2017 ainda não está totalmente contabilizado, mas mesmo assim certo é que a dívida pública continuará a ser uma das que maior peso têm no PIB em todo o mundo. Se juntarmos a isto o facto de também as empresas e as famílias portuguesas estarem muito endividadas, é impossível fugir ao facto de que a previsível retirada dos estímulos monetários por parte do BCE em 2018 constitui um dos principais desafios para a economia portuguesa no novo ano. Para já, aquilo que Mario Draghi diz é que, numa primeira fase, irá continuar a reduzir o volume de compras de dívida, num processo que pode terminar só em 2019. E apenas a seguir pode começar a subir taxas. Isto não impede, contudo, que, tanto no mercado de dívida pública, como na Euribor (que serve de referencial à maioria dos empréstimos em Portugal) se comecem a registar subidas já no decorrer do próximo ano. Para o Estado, famílias e empresas será o fim das condições excepcionais que se registam actualmente e que têm ajudado a retoma.

4. “Brexit”: vai chegar a factura

O quadro pintado pelo “Brexit” em 2017 ficou carregado de cores mais escuras para os lados das ilhas britânicas. As vozes que são contra a saída da União Europeia ganharam espaço, porque as contradições entre o que foi prometido e o que irá acontecer estão a ficar evidentes. Este processo vai continuar a verificar-se em 2018 e será também crescente o desgaste de Theresa May. Os burocratas de Bruxelas já perceberam que a União possui o controlo sobre as negociações e não deixará de aproveitar a oportunidade para encostar os britânicos à parede e demonstrar a outras nações que um processo destes será sempre ruinoso.

5. Correios em reestruturação e nas bocas da política

Começou nos últimos meses de 2017, mas promete contaminar o novo ano. Depois de anos de bonança nos CTT – marcados por uma privatização milionária, elevados dividendos, o bem sucedido lançamento do banco postal e um forte desempenho bolsista – chegou a factura pelo correio. O alerta da gestão sobre o falhanço das metas para 2017 abriu a porta a uma fuga de investidores que provocou substanciais danos em bolsa e forçou a empresa liderada por Francisco Lacerda a lançar um ambicioso plano de reestruturação. O novo ano será o primeiro tubo de ensaio dessa estratégia, que prevê centenas de despedimentos, fecho de balcões, venda de imóveis e travagem a fundo nos salários. Pelo caminho, a imagem dos CTT ficará tão degradada quanto mais sonora for a pré-campanha eleitoral a caminho das legislativas do próximo ano, sempre que o tema for a privatização dos Correios.

6. Esquerda em congressos a preparar 2019

PS e Bloco de Esquerda têm congressos agendados para meados de 2018 e não se antecipam especialmente difíceis para a “geringonça”. Não se prevendo mudanças ao nível das lideranças, a grande dúvida que subsiste é do lado dos bloquistas: saber que estratégia define o partido para as eleições de 2019. Fará o Bloco um caminho de distanciamento em relação ao PS, ou mostrará abertura para entrar num futuro governo? Se o PCP tivesse também congresso, a questão poderia ser mais complicada, fruto do mau resultado do partido nas autárquicas, mas os comunistas só têm reuniões magnas de quatro em quatro anos e a última foi em 2016.

7. Eurogrupo, agora, sob a batuta de Centeno

Novo ano, vida nova para Mário Centeno, que inicia 2018 com a tomada de posse como presidente do Eurogrupo, logo nos primeiros dias de Janeiro (dia 13), assumindo as rédeas da primeira reunião do organismo nove dias depois. Será um primeiro ensaio à capacidade do ministro das Finanças português de conjugar as suas responsabilidades como timoneiro das contas públicas do país com a exigência de coordenar os vários ministros das Finanças do euro. Portugal enfrenta um ano decisivo na consolidação da imagem de uma maior solidez financeira, na recta final de uma legislatura com desfecho ainda incerto. E a Europa começa a dar os primeiros passos de uma reforma da moeda única que está longe de gerar consensos. Cabe a Mário Centeno equilibrar estes dois intensos focos de atenção.

8. Futebol: quem ganha o campeonato e a guerra dos emails?

O Benfica consegue um inédito pentacampeonato? O FC Porto regressa aos títulos depois de quatro anos de seca absoluta? O Sporting volta a ser campeão nacional após um jejum de 15 anos? É isto que está em disputa neste campeonato, que está quase a meio e que tem os três crónicos candidatos ao título nos três primeiros lugares e muito perto entre si. Até Maio, quando a Liga terminar, ainda haverá muito futebol, dentro e fora das quatro linhas, com os polémicos emails revelados pelo FC Porto e que envolvem elementos ligados ao Benfica e à arbitragem nacional a emoldurar o futebol português. O desfecho das investigações em curso, e do campeonato, para já é imprevisível.

9. Incêndios, um problema cada vez mais político

Os incêndios não foram um tema exclusivo do ano que passou – já em 2016, por exemplo, tinham estado no topo das preferências no concurso Palavra do Ano da Porto Editora –, mas serão um problema político cada vez mais denso, se a história se repetir. Ainda há investigações em curso, relatórios por entregar, análises que só ficarão prontas nos próximos meses e lições que terão de ser tiradas em contra-relógio, porque o Inverno passa depressa e o tempo quente é um inimigo. O Governo pôs em marcha algumas medidas que já terão reflexos no combate aos incêndios do ano que agora entra e na organização da Protecção Civil. Mas ainda há muito a fazer, sobretudo nos próximos meses.

10. Médio Oriente: a Rússia a tentar ser o novo árbitro

Putin ganhou a guerra na Síria e decidiu que Assad fica (por agora) no poder. Quando se empenhou nesta guerra, com aviões e bombas, furou o isolamento conjuntural, fruto da crise ucraniana. A pretexto da Síria, juntou à mesa Irão e Turquia, países que, com a Arábia Saudita, se digladiam pela hegemonia regional. Obama recuou, Trump baralhou tudo. Putin já tinha um plano: ele é czar e há de novo um império, sem a pujança económica correspondente, mas com uma determinação invejável. O mundo mudou, pode reclamar-se a Crimeia e acontecer quase nada. Esta Rússia intervencionista tem em marcha um esforço concertado para exigir (para além do estatuto de potência-árbitro) o papel de fornecedor preferencial de armamento para os árabes. Falta uma nova crise (entre Israel e o Líbano?) ou a decisão de mediar outro conflito (Israel e Palestina?) para Putin mostrar em definitivo como quer exercer o seu novo poder.

11. Manuel Vicente: o julgamento que divide Portugal e Angola

O ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente deverá começar a ser julgado já este mês. O juiz ao qual foram distribuídos os autos já marcou as sessões, estando a primeira agendada para 22 de Janeiro. Em causa está a Operação Fizz, processo em que Manuel Vicente é suspeito de ter corrompido, em Portugal, Orlando Figueira, quando este era procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que investiga a criminalidade mais grave, designadamente de natureza económica.

12. Mexia reconduzido e na mira da Justiça

São dois os temas que dominarão o ano de António Mexia, presidente da EDP. A possível recondução à frente dos destinos da empresa de electricidade e o desfecho da investigação do Ministério Público às rendas de energia, em que Mexia é arguido. Dois tabuleiros que se cruzam, mas em que o destino do gestor está nas mãos de terceiros. No caso da presidência, cabe aos accionistas chineses aprovarem a sua continuidade, bem como da sua equipa, na qual se destaca Manso Neto, outro dos visados pela Justiça. No que diz respeito ao processo judicial, 2018 correrá ao ritmo dos diferentes prazos da investigação, desde logo o da sua conclusão, que terá de ocorrer até Maio, e depois o de uma eventual acusação e, no limite, do início do julgamento. Até que haja luz ao fundo destes dois túneis, Mexia continuará a travar as já habituais batalhas com o Governo nos vários dossiers políticos em torno das tarifas que os consumidores pagam ao sistema dominado pela EDP.

13. PSD: o que fará com uma nova liderança

É já no dia 13 de Janeiro que os sociais-democratas ficam a conhecer o novo líder do seu partido, mas as mudanças não serão imediatas. A moção estratégica de Rui Rio, apresentada esta semana, aponta o caminho da renovação do PSD, sem concretizar medidas, o que significa que só depois de constituir equipa, em caso de vitória, e de se instalar na sede do partido começarão a sentir-se os efeitos de Rio no partido. O mesmo é válido para Pedro Santana Lopes. Além disso, nenhum dos dois é deputado, o que pode prolongar a sensação de continuidade no Parlamento. Os efeitos que a nova liderança terá nas sondagens ou na imagem do partido são ainda difíceis de antecipar. O mais óbvio é o fim do marasmo e do bloqueio em que o PSD tem estado desde as autárquicas.

14. Professores a progredir na carreira

Se forem levadas a bom termo, as negociações entre os sindicatos de professores e o Governo sobre a contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira, que recomeçam a 24 de Janeiro, terão de estar concluídas até Abril. Isto, para que os impactos orçamentais daí decorrentes possam já estar inscritos na proposta de Orçamento do Estado para 2019 que terá de ser enviada então a Bruxelas. Os sindicatos insistem que sejam contados os nove anos em que a carreira docente esteve congelada. O Governo, pelo seu lado, ainda não revelou o que vai propor, embora já tenha feito saber que quer aproveitar esta negociação para rever a estrutura da carreira docente e a avaliação que é feita durante esta, de modo a tornar mais difícil o acesso ao topo. Os sindicatos já se mostraram indisponíveis para esta negociação. A haver acordo com os professores sobre a questão da contagem do tempo, o Governo poderá ter também de satisfazer pretensões idênticas por parte de outras carreiras, como a dos magistrados, militares e polícias.

15. Santa Casa entra no Montepio

Foi um dossier que reaqueceu nos últimos dias de 2017, com as dúvidas lançadas sobre a operação da aquisição de perto de 10% do capital do banco Montepio pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). O negócio – que o novo provedor da SCML, Edmundo Martinho, já avaliou em cerca de 200 milhões de euros – precisa de garantir no novo ano as obrigatórias aprovações dos mutualistas e reguladores, mas enfrenta, acima de tudo, o teste não só da opinião pública e publicada, mas sobretudo do jogo político-partidário, com o Parlamento a ameaçar tornar-se o último tribunal antes da concretização definitiva deste casamento.

16. Sócrates será o julgamento do ano

O julgamento de José Sócrates poderá começar ainda em meados de Outubro de 2018 ou, na pior das hipóteses, já em 2019, como anteciparam ao PÚBLICO, em Outubro do ano passado, vários juristas ligados ao processo Operação Marquês, no âmbito do qual foi detido o ex-primeiro-ministro. Até lá o processo passa pela fase instrutória, uma espécie de pré-julgamento no final do qual o juiz Carlos Alexandre decidirá se leva os arguidos todos a julgamento ou se arquiva o caso, se entender não haver indícios suficientes que possam conduzir à sua condenação pelos crimes que constam da acusação do Ministério Público.

17. Tancos: à espera dos restantes segredos

Quem roubou o material militar dos Paióis Nacionais de Tancos, em Junho? Que falhas de segurança houve? E por que razão, quando o material foi recuperado, apareceu uma caixa de petardos que não estava na lista inicial do que tinha desaparecido? As respostas ficam (espera-se) para 2018. Os deputados (um por grupo parlamentar) têm tido acesso aos documentos, classificados como confidenciais, que foram entretanto enviados ao Parlamento pelo Exército sobre as averiguações em torno do desaparecimento — um desaparecimento que o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, em entrevista ao Diário de Notícias-TSF, em Setembro, chegou a hesitar classificar como furto. “No limite, pode não ter havido furto nenhum”, porque “não existe prova visual, nem testemunhal, nem confissão.” No início de Dezembro, como noticiou o PÚBLICO, o PSD estava a ponderar propor uma comissão parlamentar de inquérito. O mistério resolve-se?

18. TVI nas mãos da Altice

A fotografia da Altice em Portugal no final do ano que terminou promete ser muito diferente no final do ano que começa agora. Desde logo porque 2018 representará o desaparecimento definitivo da Portugal Telecom, transformação que se iniciou há já alguns meses e que ficará concluída até ao Verão, quando a selecção campeã europeia viajar até ao mundial da Rússia com o negro da Altice nos fatos de treino. Mas mais do que simbolismos, o ano do grupo liderado por Patrick Drahi ficará marcado pela compra da Media Capital, contestada politicamente e na mira dos reguladores. A Autoridade da Concorrência ditará o preço final a pagar pela operação, através dos remédios impostos ao negócio. Em paralelo, a Altice continuará a travar batalhas em várias frentes, desde a crise bolsista à crise de gestão, passando pela crise de financiamento ou pelas crises laborais na própria PT, onde prossegue a racionalização de meios e o despedimento de trabalhadores.

Andreia Sanches, Clara Barata, Clara Viana, Diogo Queiroz de Andrade, Jorge Miguel Matias, Pedro Ferreira Esteves, Pedro Sales Dias, Sérgio Aníbal, Sónia Sapage, Sofia Lorena 

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