Marcelo vai conhecer a orgulhosa reconstrução da Bela Vista

Presidente da República visita um dos bairros mais problemáticos de Setúbal e do país para ver o que é já um caso de estudo em Portugal e no estrangeiro. Uma revolução social em curso

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Os moradores do Bairro do Forte da Bela Vista, um dos bairros que integra a Bela Vista, em Setúbal, vão mostrar hoje ao Presidente da República, com orgulho, o trabalho de reconstrução e valorização que estão a desenvolver há cinco anos e que está a mudar a imagem do bairro e dos seus habitantes na cidade.

A pretexto de ver como ficou a obra mais recente, um passeio pedonal que percorre o bairro e faz a ligação à estrada principal, nas traseiras, Marcelo Rebelo de Sousa vem passar uma parte da noite no local, para conviver com os moradores. Está previsto que o Presidente da República chegue ao bairro por volta das 18h e parta apenas bem depois da hora de jantar. Marcelo cumpre assim a promessa que fez à Associação de Moradores Renascer do Forte (AMRF), que lhe tem enviado informação do trabalho que tem vindo a fazer, de que um dia visitaria o bairro.

“É maravilhoso! O Presidente vem cá para ter conhecimento do trabalho que fazemos para o bem das pessoas”, disse ao PÚBLICO Aline Martinho dos Santos da associação, acrescentando que os projectos que os moradores estão a desenvolver “enriquecem a vida das pessoas que vivem aqui, e a cidade e o país, e faz todo o sentido o Presidente estar a par do que estamos a fazer”.

Francisco Sousa, também membro da comissão de moradores explica que o passeio pedonal foi construído com o apoio de várias empresas e das autarquias locais. “A Secil e a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS) ofereceram os materiais para o pavimento, a Fundação Francisco Manuel dos Santos deu dinheiro, e a Câmara Municipal de Setúbal e a Junta de Freguesia de São Sebastião garantem a parte operativa, contribuindo com mão-de-obra, máquinas e outras coisas que faltam, neste caso com vedação e árvores”, disse o porta-voz dos moradores que integra o grupo de trabalho do mecenato, que angaria apoios das empresas para as melhorais no bairro.

A tarefa tem corrido bem e, aos poucos, o espaço público mudou radicalmente em apenas cinco anos. As fachadas dos prédios e os muros foram completamente reparados e pintados, a iluminação pública renovada, foi construído um ginásio exterior, com seis máquinas oferecidas pela Fundação Vodafone, um parque infantil, reaproveitando os materiais de um velho parque de uma escola desactivada - recuperados pelas autarquias - e um dos próximos projectos é a construção de um polidesportivo.

“É um bairro em mudança, o renascer completo de um bairro. Não deve haver em todo o país outro bairro com um trabalho como este, feito pelos moradores. Não ficámos à espera que as autarquias fizessem o trabalho por nós”, diz Francisco Sousa, que transmite o orgulho e entusiasmo dos habitantes no trabalho.

“A envolvência é total. Quando a comissão solicita, os moradores participam, são activos, e se a câmara municipal vier para aqui com propostas que os moradores não querem, elas não passam”, assegura, convencido de que este modelo de gestão colectiva “já está a produzir efeitos na educação das crianças do bairro”. Segundo este responsável, há uma “mudança de mentalidades” entre os habitantes do bairro, que se traduz, por exemplo, em “mais respeito pelo espaço público”, que é mais cuidado por crianças e adultos porque todos ajudam a construir. Na zona central do bairro há um anfiteatro onde a pintura da parede principal são desenhos feitos pelos filhos dos moradores e o local deu já uma “festa especial do Dia da Criança”, conta Aline Martinho dos Santos, em que pais e avós participaram na festa como nunca tinha acontecido.  

“Transformações tremendas”, diz o presidente da Junta de Freguesia de São Sebastião, com mudanças e melhorias não apenas físicas mas também nos aspectos imateriais. “Temos a população verdadeiramente organizada em torno de questões tão diferentes como as férias para as crianças ou as obras no bairro”, refere Nuno Costa, considerando que “é muito gratificante para as autarquias ver os resultados e acompanhar estas transformações”.  

Caso mediático e de estudo

O projecto que está na base do envolvimento dos moradores na transformação dos bairros da zona da Bela Vista, abrange cinco bairros (Bairro da Bela Vista, Bairro do Forte da Bela Vista, Bairro da Alameda das Palmeiras, Bairro da Quinta de Santo António e Bairro das Manteigadas) e é já um caso de estudo e um crescente fenómeno mediático.

O programa Nosso bairro, nossa cidade, lançado pela Câmara Municipal de Setúbal em 2012, é um plano para dez anos e, a meio da execução, apresenta já números que têm gerado interesse da universidade, municípios e instituições internacionais. Em cinco anos, a Bela Vista recebeu a visita de autarcas e técnicos de 15 países, investigadores da Universidade Católica, foi apresentado em 19 seminários em Portugal e em 12 internacionais, o últimos dos quais em Barcelona, e deixou de ser noticia apenas pela criminalidade e problemas sociais, para começar a aparecer nos jornais e televisões por bons motivos.

“Antes de 2012, numa pesquisa na Internet sobre notícias da Bela Vista não aparecia uma única positiva. Hoje, cinco anos depois, são já 631 notícias sobre as coisas boas que têm vindo a ser feitas nestes bairros”, disse ao PÚBLICO o vereador da Habitação na Câmara de Setúbal. Carlos Rabaçal defende que o programa para a Bela Vista está a fazer uma revolução não apenas nestes bairros, mas também na forma como técnicos, políticos e especialistas em políticas públicas abordam a integração social.

“Esta experiência, quando é relatada, em Portugal ou no estrangeiro, gera sempre uma grande surpresa, porque altera completamente a habitual forma de intervenção das instituições públicas. Geralmente, as entidades, como as autarquias, decidem o que fazer e apresentam um facto ou resultado consumado às populações, e aqui, na Bela Vista, é ao contrário, são os moradores que dizem o que fazer e como fazer e a câmara municipal ajuda”, diz o autarca ao PÚBLICO.

Para Carlos Rabaçal a “gestão colectiva” e a “representatividade directa” dos moradores são os princípios que explicam os resultados do programa.

Nuno Costa, presidente da junta de freguesia acrescenta a “confiança” como outro “factor fundamental” para o sucesso do projecto, medido, sobretudo, pelos elevados níveis de participação dos moradores. “As pessoas perceberam logo desde o início que os compromissos assumidos eram para cumprir, que o que ficava acordado fazer ou construir, era mesmo concretizado”.

Nas muitas reuniões de trabalho, de moradores e autarcas, nascem planos de trabalho, que são impressos para funcionarem como cadernos de encargos físicos, são criados grupos de trabalho, e a obra surge depois na forma de uma festa, uma reparação ou um novo equipamento para o bairro. Os habitantes organizaram-se em comissões de moradores e representantes de prédios, integram equipas de trabalho pontuais, para tarefas específicas, ou permanentes, para funções continuadas de limpeza urbana e conservação dos bairros.

Até agora foram desenvolvidos 30 projectos em áreas tão distintas como a juventude, a reabilitação urbana ou a economia, neste caso com auxilio à criação de emprego próprio e abertura de negócios no bairro.

Dois mil pedidos de habitação em espera

A cidade de Setúbal carece actualmente de habitação, com a oferta de fogos muito abaixo da procura ou das possibilidades económicas de quem precisa de casa.

Segundo o vereador da Habitação, a autarquia sadina tem dois mil pedidos de habitação pública e não tem capacidade de resposta, por falta de políticas públicas que respondam ao problema. Carlos Rabaçal sublinha que “no Orçamento de Estado para 2018 não há financiamento” nem para habitação pública, designadamente apoio financeiro às cooperativas de habitação, nem para responder às necessidades de reabilitação urbana em grandes parques habitacionais.

O autarca diz que Setúbal, para fazer a reabilitação que a cidade carece, precisaria de 15 milhões de euros. Para já a Câmara Municipal tem dois planos de investimento, para recuperar o interior de dois bairros; 2 milhões para o Bairro do Forte da Bela Vista e 1,5 milhões para o Bairro das Manteigadas.

Cinco anos em números

  • 1300 reuniões de moradores com mais de 6 mil pessoas
  • 289 representantes de prédios
  • 7 condomínios criados e dezenas em preparação
  • 27 grupos de moradores permanentes
  • 82 acções de formação com 1200 participantes
  • 6 páginas de Facebook sobre os bairros 

 

 

 

 

 

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