Centro das Taipas contra degradação de respostas a toxicodependentes

Criada há 30 anos, a primeira unidade especializada em toxicodependência do país debate-se com falta de pessoal. Reivindica a saída da ARS. E lançou um abaixo-assinado. O chamado “modelo português” está agora “a viver à custa dos louros do passado”, diz coordenador.

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Decisão sobre o modelo organizativo na área das drogas é aguardado até ao fim deste ano Paulo Pimenta
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Mais de quatro dezenas de profissionais do Centro das Taipas, a primeira unidade especializada na intervenção em toxicodependência no âmbito da saúde, subscreveram um abaixo-assinado contra “a degradação das condições assistenciais” nos serviços.

No documento, que já chegou ao Ministério da Saúde, aqueles profissionais consideram que a integração, em 2012, do centro na Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, “promoveu a deterioração dos recursos materiais e humanos”, tendo agravado “as condições de prestação de cuidados e respostas adequadas aos utentes” e pôs "em causa um modelo de intervenção que provou a sua eficácia na abordagem desta patologia”.

Na prática, adiantou Miguel Vasconcelos, coordenador do Centro das Taipas, os “procedimentos burocratizaram-se”. E aquilo que era um serviço vertical, “coerente e integrado” (e que actuava segundo uma política apontada como um exemplo a nível internacional, sobretudo desde que o consumo foi descriminalizado, em 2001) começou a fragmentar-se. “Deixámos de ter uma direcção nacional, pulverizámos os serviços, e estamos a desperdiçar um trabalho que foi feito com originalidade e bom senso”, declarou Vasconcelos, para concluir que o chamado “modelo português” está agora “a viver à custa dos louros do passado”.

No Centro das Taipas, onde funcionam uma unidade de dia e outra de desabituação, além das consultas externas e dos serviços de fisioterapia e de terapias medicamentosas, os funcionários estão reduzidos a cerca de 60. Quando o centro arrancou, há 30 anos, eram 165 profissionais. “As pessoas reformam-se e não são substituídas, o que nos impede de garantir respostas às novas questões que se levantam, como o agravamento da potência da cannabis e, no campo das dependências sem substâncias, o jogo patológico”, lamenta.

Onda de descontentamento

Este protesto surge semanas depois de os 13 coordenadores da Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências do Norte se terem demitido dos cargos, queixando-se da “ingovernabilidade” nos serviços. E poucos dias depois de a Unidade de Alcoologia do Centro ter anunciado que vai encerrar o serviço de internamento dos alcoólicos, entre 22 de Dezembro e 2 de Janeiro, por falta de pessoal.

Estas dificuldades estendem-se, de resto, às restantes unidades de alcoologia do país. E traduzem-se num agravamento dos tempos de espera (67 dias, na unidade de alcoologia do Norte) e na redução do número de camas disponíveis (em Lisboa, por falta de auxiliares, apenas 15 das 25 camas estão disponíveis para acolher doentes).

E o descontentamento não é de agora. Recua ao início de 2011, ano em que, a pretexto das medidas de redução da despesa impostas pela troika, Passos Coelho decidiu extinguir o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) que concentrava todas as competências na prevenção, tratamento e redução dos danos associados às dependências. O organismo que o substituiu, o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), ficou esvaziado de funções, limitando-se a produzir normas de actuação na área, e os técnicos do IDT foram transferidos para as cinco ARS que "absorveram" as competências no tratamento, redução de riscos e minimização de danos.

Confrontado com as sucessivas queixas, o Governo consentiu em alterar o modelo organizacional na área das drogas e incumbiu um grupo de trabalho, liderado pelo director-geral do SICAD, João Goulão, de estudar se o melhor será regressar à lógica vertical do IDT ou, pelo contrário, aprofundar e alargar a integração nas ARS.

No primeiro relatório, não houve consensos. O secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, pediu então um novo relatório, que lhe deverá chegar às mãos na próxima semana, tendo-se comprometido, entretanto, a pedir a avaliação custo-benefício de cada uma das soluções.

Em entrevista, ao último número da revista Dependências, Araújo reiterou que gostava muito “de tomar uma decisão até ao final do ano” para “encarar 2018 já com uma nova visão para os profissionais e para os utentes”. 

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