Casos de fome em pessoas assistidas por instituições subiram, revela estudo

Percentagem de pessoas que estiveram "uma ou outra vez sem comer" o dia inteiro aumentou quase 10 pontos percentuais de 2014 para 2016, mostra análise do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica e do Banco Alimentar. Maioria de famílias apoiadas recebe menos de 500 euros mensais.

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A percentagem de pessoas assistidas por instituições que esteve "uma vez ou outra vez" sem comer durante um dia inteiro "aumentou de forma significativa" entre 2014 e 2016, passando de 18% para 26% Nelson Garrido

O número de pessoas assistidas por instituições que esteve "uma vez ou outra" sem comer durante um dia inteiro "aumentou de forma significativa" entre 2014 e 2016, passando de 18% para 26%, revela o estudo da Universidade Católica, Utentes de instituições de solidariedade social - Uma abordagem à pobreza nesta população

Realizado pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica, em parceria com o Banco Alimentar Contra a Fome (BA) e a Entrajuda, o estudo mostra que são os inquiridos com idades entre os 41 e os 65 anos que mais referiram ter estado algum dia inteiro sem comer (37%). 

A percentagem que refere que "às vezes" não teve dinheiro para ter comida até ao fim do mês também tem vindo a aumentar ao longo dos quatro anos, atingindo 46% em 2016.

O trabalho faz parte de um projecto iniciado em 2010, que tem sido repetido de dois em dois anos, junto de uma amostra de instituições, permitindo acompanhar a evolução das famílias que assistem.

A divulgação do estudo surge dias antes de, neste fim-de-semana, o BA ter 40 mil voluntários em supermercados de todo o país a pedir às pessoas que contribuam para a próxima campanha, destinada a apoiar 420 mil pessoas.

"Regista-se assim, em 2016, um ligeiro agravamento das carências alimentares, quando se comparam os resultados com os de 2014, não alcançando, contudo, os valores mais negativos de 2012", sublinha o documento, que apresenta os resultados de 1466 inquéritos a famílias, recolhidos em finais de 2016.

Mais de metade (51%) das famílias do estudo recebe apoio de uma instituição há mais de dois anos e 22% beneficia desse apoio há até dois anos, sendo a alimentação o principal apoio recebido (85%).

O estudo também analisou a situação das crianças portuguesas, que se encontram "entre as mais vulneráveis da União Europeia", sendo Portugal o país com a oitava maior taxa de pobreza infantil (18,2%).

Discriminados pelos colegas

Cerca de 42% das famílias têm crianças e adolescentes a frequentar a escola, o que corresponde a 614 famílias e 876 crianças. Destas crianças e jovens, 36% já reprovaram pelo menos uma vez durante o seu percurso escolar (21% uma vez e 10% duas vezes), uma taxa significativamente superior à média nacional (13%). São "valores preocupantes pelas consequências que têm de perpetuação da pobreza".

A investigação avança que outra consequência "desta condição económica" é a interrupção do percurso escolar, "frequentemente por vontade própria".

Dos jovens a entrar na idade adulta (16-17 anos), 31% disseram que pretendem ir trabalhar quando terminarem o secundário, 30% querem prosseguir os estudos no ensino profissional e 22% desejam ir para a universidade.

Dez por cento dos inquiridos referiram que os seus filhos são "muitas vezes ou todos os dias discriminados pelos colegas devido à sua condição económica" e 52% confessaram que "raramente" ou "nunca" conseguem comprar o material necessário para as actividades escolares do menor a seu cargo.

A vida está pior?

Quase metade (46%) considera que a sua vida está pior do que estava há cinco anos, apesar de este valor ter decrescido em relação a 2014 (55%). Quando olham o futuro, 41% consideram que a sua vida estará igual e 34% esperam que fique melhor.

Se em questões objectivas, como o rendimento ou as carências alimentares, se verifica que a situação se mantém (ou há até um ligeiro agravamento) "face às edições anteriores, em dimensões mais subjectivas, parece haver uma ligeira melhoria das condições de vida dos indivíduos ou pelo menos da percepção que estes têm acerca daquelas", afirmam os investigadores.

Menos de 500 euros mensais

Por outro lado, duas em cada três famílias apoiadas por instituições de solidariedade social têm rendimentos mensais líquidos inferiores a 500 euros, acrescenta-se. O desemprego está presente em 47% dos agregados.

Em 2016, o rendimento per capita médio das famílias era de 187 euros e nas que têm crianças esse valor é de apenas 146 euros. Já nas famílias sem filhos o valor é de 225 euros, refere o estudo. 

No ano passado, 67% das famílias dispunham de rendimentos mensais líquidos abaixo dos 500 euros, um facto que tem sido constante nas várias edições do estudo.

O escalão mais alto de rendimento (501 euros ou mais) alcança o maior valor percentual de sempre, abrangendo 33% das famílias. Contudo, apenas 12% apresentam rendimentos superiores a 750 euros.

Em cerca de metade das famílias, a pessoa que mais contribui financeiramente não tem instrução ou tem apenas o 1.º ciclo do ensino básico; só 5% têm um grau superior.

O estudo revela que apenas 29% das famílias têm rendimentos provenientes do trabalho, "o que não invalida a existência de outros apoios sociais a complementarem o rendimento total das famílias".

Os rendimentos oriundos de reformas ou pensões são os mais expressivos na amostra, referidos em 36% dos casos, "o que não é estranho, uma vez que 21% dos respondentes têm 65 ou mais anos".

Nos dois escalões mais altos, a partir dos 401 euros, o trabalho e o abono de família assumem-se como duas das principais fontes de rendimento.

O Rendimento Social de Inserção (RSI) está presente em todos os escalões de rendimento, sendo mais expressivo nos mais baixos.

De acordo com o estudo, em 47% das famílias há pelo menos um desempregado. Destes, 68% estavam desempregados há mais de dois anos.

Doença e deficiência presentes em muitos casos

"Estes valores podem ser a razão para que em mais de metade das famílias (55%) o rendimento familiar nunca seja suficiente para viver", sublinha o estudo, adiantando que, em 2016, apenas 13% das famílias disseram que o seu rendimento é sempre suficiente para viver.

Em 44% das famílias uma ou mais pessoas sofre de doença ou deficiência (47% em 2014 e 48% em 2012), situação que na grande maioria dos casos condiciona a sua vida, porque impede essa pessoa de trabalhar (33%), implica muitas despesas (29%) ou exige muitos cuidados pessoais (19%).

Relativamente à habitação, a maioria das famílias (63%) paga renda ou empréstimo bancário pela habitação onde vive. Destes, 53% vivem em casa arrendada e 10% vivem em casa própria com empréstimo bancário (estes valores não diferem dos recolhidos em 2012 e 2014).

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