Portugal continua longe da meta definida para a ajuda ao desenvolvimento

Perita recomenda a país que assuma “compromissos realistas, em coerência com a recuperação económica”.

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HUGO DELGADO

Apesar de ter acordado disponibilizar 0,7% do seu Rendimento Nacional Bruto para a Ajuda Pública ao Desenvolvimento, Portugal nunca atingiu essa meta. Reafirmou-a em 2015, mas nesse ano e no seguinte canalizou os valores mais baixos de sempre – 0,16 % e 0,17%, respectivamente. 

A informação consta do Relatório AidWatch Portugal 2017 – A Cooperação Portuguesa no início da era pós-2015, que esta terça-feira é apresentado no auditório do edifício novo da Assembleia da República. Tudo isto deverá ser explicado pela autora do relatório, Ana Filipa Oliveira, membro da Direcção da Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento e investigadora da Associação para a Cooperação Entre os Povos (ACEP). O actual Governo, resume, “continuou o caminho do anterior”.

Até 2015, aquando da agenda global Objectivos do Milénio, a ajuda pública ao desenvolvimento era entendida como uma transferência de recursos de Norte para Sul, com enfoque no combate à pobreza. Desde então, com a nova agenda global dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, aplica-se a todos os países e abarca as desigualdades sociais, os direitos humanos, a paz e a segurança. 

Maioria não cumpre compromisso

Portugal está longe de ser o único a incumprir a meta dos 0,7%. Todos os países que fazem parte do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (CAD/OCDE) assumiram esse compromisso e a maior parte não cumpriu.

A ajuda pública ao desenvolvimento tem vindo a baixar o valor desde 2011, ano do resgate financeiro. Houve um ligeiro aumento entre 2015 (279 milhões) e 2016 (310 milhões), mas, sobretudo, por causa do reforço da ajuda ao desenvolvimento multilateral, isto é, das contribuições para organismos internacionais.

Entre 2014 e 2016, a ajuda pública ao desenvolvimento ficou abaixo dos 0,2%. Em 2015 a meta foi revista e Portugal reafirmou o compromisso, lembra Ana Filipa Oliveira. Parece-lhe mais ajuizado tornar a revê-la e assumir “compromissos realistas, em coerência com a recuperação económica do país”.

Não é só o valor. No ano passado, 63% da ajuda ao desenvolvimento, isto é, 196 milhões, foi canalizada para agências multilaterais, com destaque para o Desenvolvimento da Comissão Europeia e o Fundo Europeu para o Desenvolvimento. Bem acima da média dos países do CAD/OCDE (28,5%). Na prática, explica Ana Filipa Oliveira, Portugal transfere recursos e depois bate-se para executar ou coordenar projectos que são decididos em Bruxelas.

A maioria desses acordos de cooperação executados por Portugal, através do Instituto Camões, remete para países de língua oficial portuguesa. Ora, a ajuda bilateral também se concentra aí. Os maiores beneficiários da ajuda bilateral são Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e Guiné-Bissau.

Portugal, salienta a perita, com isto até pode ganhar visibilidade, mas perde capacidade de definir prioridades. Refere-se às áreas geográficas, aos sectores de intervenção e aos montantes. A opção traz outro problema: a falta de participação prévia das organizações não-governamentais para o desenvolvimento.

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