Universidade do Minho paga 200 mil euros a empresa de pró-reitor

Valor foi pago num ano. Inspecção-Geral de Educação aponta irregularidades à forma como foram adquiridos bens e serviços pela instituição.

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O relatório da IGEC sobre a Universidade do Minho foi enviado ao ministro da Ciência e Ensino Superior em Setembro PAULO RICCA

No lapso de um ano e um mês, o tempo que Guilherme Borges Pereira leva como pró-reitor da Universidade do Minho, a instituição pagou mais de 200 mil euros em aquisições de serviços a uma empresa de que Borges Pereira é também sócio. A relação da universidade com a OPT começou em 2014 e rendeu à firma mais de 90% dos contratos públicos de que é beneficiária.

A OPT foi criada a 31 de Janeiro de 2012 e é uma sociedade por quotas detida por Guilherme Borges Pereira (dono de 49% do capital) e pela sua esposa, Leopoldina Gomes Antunes, que detém os restantes 51% e é também a gerente. No Portal da Justiça não está registada nenhuma alteração aos órgãos sociais da firma desde a data da sua constituição.

Borges Pereira foi nomeado a 10 de Outubro de 2016 pró-reitor, um cargo na hierarquia da reitoria com responsabilidade de coordenação de uma determinada área de actuação da instituição. Neste caso tem o pelouro da Avaliação Institucional.

Desde a tomada de posse, a empresa de que é sócio fez cinco contratos com a Universidade do Minho, num valor total de 201.025 euros.

Em causa estão aquisições de serviços muito diversas, como o “fornecimento de colunas de som para melhoria das condições acústicas do sistema de evacuação” dos campi da universidade, a “aquisição de licenças de software” ou o “fornecimento e a instalação dos sistemas de alarme, detecção de incêndio, de controlo de acessos e de evacuação” de um edifício, segundo pode ler-se no portal da contratação pública Base.

A empresa tem, porém, uma relação anterior com a universidade. De acordo com as informações consultadas pelo PÚBLICO no portal da contratação pública, desde 2014 a OPT vendeu serviços à instituição de ensino superior em 13 ocasiões, recebendo um valor total de 580.950 euros. A Universidade do Minho representa mesmo 91,53% dos negócios da OPT com entidades públicas.

Esse número (580.950 euros) é ainda maior se tivermos em conta que também os Serviços de Acção Social da Universidade do Minho e o Pólo de Inovação em Engenharia de Polímeros, organismos com autonomia mas igualmente ligados à universidade, compraram serviços à mesma firma. Dos 16 contratos públicos da OPT listados no portal Base, apenas um não envolve directa ou indirectamente a Universidade do Minho.

A relação da universidade com a OPT é um dos motivos pelos quais a Inspecção-Geral de Educação e Ciência (IGEC) concluiu existirem “indícios (...) de fragilidade no cumprimento dos princípios aplicáveis à contratação pública” naquela universidade, numa auditoria terminada em Setembro.

Universidade contesta

O PÚBLICO enviou várias perguntas à Universidade do Minho sobre este caso, incluindo um bloco de questões especificamente dirigido a Guilherme Borges Pereira, questionando se este teve envolvimento directo nas decisões que levaram às contratações feitas à empresa de que é sócio e se manteve a sua posição na firma depois de assumir o novo cargo na universidade. Essas questões ficaram sem resposta.

O relatório da IGEC ainda não é definitivo, uma vez que não contempla o contraditório da universidade.

A reitoria da Universidade do Minho fez saber por escrito, ao PÚBLICO, que já respondeu à IGEC e que rejeita “de forma incisiva e fundamentada os pressupostos e as conclusões do relatório, com base em informação factual e documental detalhada”. Esta mesma garantia foi igualmente enviada à Lusa depois de o Jornal de Notícias ter dado conta, na sua edição de terça-feira, de que estavam a ser investigados ajustes directos daquela instituição de ensino. A universidade acrescenta que “aguarda serenamente o desenvolvimento do processo”.

“Aparente concertação”

Segundo a IGEC, pelo menos duas vezes em quase três anos — a inspecção debruçou-se sobre o período entre Janeiro de 2015 e Julho deste ano — a Universidade do Minho fez contratos sucessivos com a OPT que eram “susceptíveis de constituir objecto de um único contrato”, violando assim o Código da Contratação Pública, considera a IGEC.

Em 2016, num procedimento para aquisição de “sistemas de detecção de gás, monóxido de carbono e incêndio”, a Universidade do Minho fez dois contratos com valor ligeiramente abaixo do limite de 75 mil euros a partir do qual era necessário concurso público, nos termos do código da contratação. Os negócios foram feitos por 74.500 euros e 74.902 euros.

A mesma prática foi seguida em 2015, para a “aquisição de sistema de controlo de acesso” aos campi. Foi assinado um primeiro contrato de 70.723 euros e outros dois (10.900 e 13.400 euros) relativos ao mesmo serviço.

Nessas ocasiões, e numa terceira, registada já este ano (contrato para o fornecimento e a instalação dos sistemas de alarme, detecção de incêndio, de controlo de acessos e de evacuação no edifício n.º 6 da Escola de Ciências), no valor de 73.915 euros e paga através de um único contrato, a aquisição de serviços à OPT foi feita por ajuste directo, prossegue o relatório da IGEC.

Nestas três contratações feitas à OPT, a universidade consultou uma outra empresa para conhecer as condições para a prestação daqueles serviços. Nas três situações recorreu sempre à mesma firma, a IVV Automação, Lda.

Os inspectores da IGEC descobriram que a OPT, a firma detida pelo pró-reitor Guilherme Borges Pereira e a esposa, indicava como director de obra o engenheiro Fernando Jorge Castro Vieira Mendes, que é também o gerente da IVV, a sua concorrente. Os inspectores dizem, por isso, haver “indícios de uma aparente concertação no procedimento, violando o princípio da transparência”.

Fernando Jorge Castro Vieira Mendes foi professor na Escola de Engenharia da Universidade do Minho “pelo menos até 2006”, lê-se no relatório. Tem como sócio na firma um outro professor da mesma instituição de ensino superior.

A IVV tem apenas quatro contratos com entidades públicas registados desde 2009, todos realizados com a Universidade do Minho, totalizando 130.861 euros, o último dos quais em Março deste ano.

Ao PÚBLICO, o advogado da IVV, João Magalhães, confirma que Fernando Mendes tem ligações às duas empresas, mas defende que há em Portugal “poucas pessoas com capacidade técnica” para prestar o tipo de serviço pedido pela Universidade do Minho. “É natural que, numa situação dessas, tenhamos uma espécie de monopólio”, esclarece o jurista, recusando qualquer “combinação” de preços entre a IVV e a OPT.

O advogado desvaloriza ainda o peso que a universidade tem na facturação da firma. “É um micronegócio”, diz. Apesar de a Universidade do Minho ser a única entidade pública que contratou a IVV nos últimos anos, a empresa presta sobretudo serviços a entidades privadas e apresentou um volume de negócios de 4 milhões de euros no último ano.

O relatório da IGEC foi enviado ao ministro da Ciência e Ensino Superior em Setembro. O gabinete de Manuel Heitor não respondeu às perguntas do PÚBLICO sobre esta inspecção.

Nas conclusões da IGEC indica-se que os factos apurados “carecem de avaliação dos serviços competentes do Ministério Público de Braga”. Apesar dos esforços feitos junto da Procuradoria-Geral da República nos últimos dias, não foi possível confirmar se o caso está ou não a ser investigado.

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