O melhor evento público do mundo é português, é um comboio e circula no Douro

The Presidential, a composição dos presidentes da República que foi recuperada pelo Museu Nacional Ferroviário e é utilizado como comboio turístico de luxo, ganhou o Best Event Awards 2017.

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Martin Henrik

O Comboio Presidencial que nos meses de Outubro e Maio circula na linha do Douro com um serviço de refeições a bordo a cargo de chefs detentores de estrelas Michelin ganhou o prémio de melhor evento público do mundo 2017 no Best Event Awards, que teve lugar no Porto entre 15 e 18 de Novembro.

A este concurso foram apresentadas 296 candidaturas de 27 países, tendo o projecto português ficado à frente da França e dos Emirados Árabes Unidos, que obtiveram, respectivamente, o segundo e terceiros lugares.

A França concorreu com a cerimónia da candidatura de Paris aos Jogos Olímpicos e os Emirados Árabes Unidos apresentaram a cerimónia do seu dia nacional com um evento que contou com 5000 figurantes e recursos que incluíam tanques, helicópteros, camelos e um orçamento superior à totalidade dos eventos públicos portugueses.

O prémio, porém, seria entregue ao projecto que tem um discreto mas glamoroso comboio que circula no Douro só nos meses de Outubro e Maio (os mais neutros em termos de temperatura porque a composição não tem ar condicionado).

Gonçalo Castel-Branco, o empresário que descobriu o Comboio Presidencial no Museu Ferroviário do Entroncamento e o transformou num produto de luxo, disse à Fugas que este prémio “foi uma honra enorme” e a constatação de que a combinação do comboio com boa gastronomia e a paisagem magnífica do vale do Douro são reconhecidos mundialmente.

The Presidential é composto por carruagens que datam de 1890 e fizeram parte do comboio real, tendo sido mais tarde modernizadas, às quais se junta material comprado à Alemanha na década de 30 do século passado. A composição era composta por oito carruagens (incluindo a carruagem dos jornalistas que acompanhavam o Chefe de Estado) e um furgão. Tem salões, cozinha, salas privadas e os compartimentos podem ser transformados em quartos de dormir.

Nele viajaram os dignatários do Estado Novo. Óscar Carmona, Craveiro Lopes e Américo Tomás cruzavam o país, acompanhados de um séquito de assessores e de uma brigada da Pide, num tempo em que viajar por caminho-de-ferro era mais rápido do que pelas velhas estradas do país que ainda não tinha auto-estradas.

Nos anos 1970 o comboio foi desactivado e as suas carruagens ficaram abandonadas em várias estações até que a Fundação do Museu Nacional Ferroviário, com a decisiva ajuda de fundos comunitários, conseguiu reuni-las e recuperá-las num trabalho notável que transformou a velha composição na coqueluche do museu do Entroncamento.

Foi lá que Gonçalo Castel-Branco descobriu este comboio pelo qual, reconhece, se apaixonou. Ao contar a descoberta à sua família, ao jantar, a sua filha, de dez anos,  fez-lhe uma pergunta que viria a revelar-se decisiva: “Ó pai, porque não fazes um restaurante nesse comboio?”.

O pacote turístico inclui uma viagem entre São Bento e o apeadeiro do Vesúvio (Vila Nova de Foz Côa), visita à quinta onde viveu a famosa D. Antónia (Ferreirinha) com prova de vinhos e regresso ao Porto. Pelo meio, são servidas refeições cozinhadas por chefs com estrelas Michelin. O serviço é ao nível do de um hotel de cinco estrelas e a composição tem piano bar, havendo também música ao vivo a bordo. Para quem viu o filme Um Crime no Expresso do Oriente, o serviço não está nada aquém. Na sua versão mais simples, a viagem-experiência – que dura entre o meio-dia e as nove da noite – custa 500 euros por pessoa.

Gonçalo Castel-Branco diz que não inventou nem fabricou nada. “Limitei-me a juntar o que já existia: esta paisagem fantástica que é o Douro já existia, a linha já existia, o comboio já existia, o Vesúvio também já cá estava. Eu só convidei os chefs, montei o evento e resultou nisto”, disse, sublinhando que, no fundo, é o comboio e o Douro que estão de parabéns.

O empresário já em 2012 tinha ganho um primeiro prémio neste concurso, com a realização de um concerto num palco flutuante no Douro. “Mas na altura este prémio era só europeu, agora é mundial”, referiu.

A linha do Douro acompanha o rio em grande parte do seu percurso e foi inaugurada em 1887 entre o Porto e Barca D’Alva (hoje só está aberta até ao Pocinho). Nos últimos anos, com o boom do turismo, associado em grande parte à oferta dos cruzeiros, tem vindo a registar uma grande procura à qual a CP tem tido dificuldade em responder por falta de material.

O desinvestimento de que foi alvo nas últimas décadas compromete, por outro lado, o seu futuro. A Infraestruturas de Portugal (antiga Refer) não tem conseguido modernizar um troço de 16 quilómetros entre Caíde e Marco de Canavezes e optou por fechar a linha durante três meses para fazer obras. Se a electrificação avançar até à Régua, está também previsto o encerramento para obras daquele troço, comprometendo as ligações ferroviárias entre a Invicta e o vale do Douro.

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