Indiferença ou incompreensão

Não precisamos de ser uma sociedade onde todos somos activistas. Mas talvez fosse bom que houvesse mais atenção aos vários debates que precisamos de fazer colectivamente, e compreensão sobre o que está em causa neles. Para que não caia no esquecimento

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Desmond Boylan/Reuters

As pessoas querem saber cada vez menos de política. Sentimos que cada vez menos aqueles que fazem política querem saber das pessoas.

Quando digo a conhecidos que estou envolvido em algo que envolve política, geralmente espoleto uma de duas reacções: indiferença ou incompreensão.

A indiferença de não lhes interessar em nada, porque não querem nem nunca quiseram saber de nada que envolvesse política, ou a incompreensão por não verem a utilidade de tal envolvimento. Ou a possibilidade de esse envolvimento ter consequências práticas minimamente relevantes.

Um bom exemplo disto é ter amigos que trabalham a recibos verdes e não vêem utilidade em estar envolvido em lutas políticas que tenham como objectivo o fim da precariedade. Essas lutas são distantes e pouco práticas. Inconsequentes na melhor das hipóteses.

Isto é um sintoma do completo desinteresse pelo processo democrático que afecta a maioria das democracias ocidentais hoje em dia. É um sintoma mais do que identificado pelos vários agentes políticos, desde os que tentam combatê-lo com uma mensagem positiva a apelar ao envolvimento, como Bernie Sanders nas ultimas primárias do Partido Democrata nos Estados Unidos, ou Jeremy Corbyn na eleição geral deste ano no Reino Unido, aos que se aproveitam da aparente indiferença ao processo democrático, para o identificar como causador de todos os problemas, e transformar a indiferença em fúria, como Donald Trump ou a campanha do Leave no referendo que levou ao Brexit.

É também sintoma do interesse que uma boa parte da classe política tem em que as pessoas não se interessem pelo processo democrático. É este desinteresse que permite que os Panama Papers, por exemplo, caiam no completo esquecimento colectivo ao fim de pouco tempo, e que permite que os seus sucessores, os Paradise Papers, sejam esquecidos ainda mais rapidamente, sem que muitos de nós percebamos o que de facto eles implicam. Quem diz os Panama Papers diz outros temas completamente distintos, como descentralização, o Sistema Nacional de Saúde ou a reforma da floresta. Aparece nas notícias, capta um interesse passageiro que morre quando o ciclo noticioso do tema encerra. E isto reduz a pressão escrutinadora do público e desresponsabiliza a classe política.

Sinto que faltam abordagens de fundo, de longo-prazo, que só podem ser feitas por pessoas que verdadeiramente queiram fazê-las, e que sintam que é para isso que se levantam todos os dias. Não temos todos de fazê-lo. Não precisamos de ser uma sociedade onde todos somos activistas. Mas talvez fosse bom que houvesse mais atenção aos vários debates que precisamos de fazer colectivamente, e compreensão sobre o que está em causa neles. Para que não caia no esquecimento.

Espero que a minha geração saiba fazer esses debates. Espero que os que de nós optem por ter actividade política saibam passar bem as mensagens que têm de ser passadas. Espero que os que optem por não a fazer se esforcem para compreender a necessidade de haver quem faça política. Espero que saibamos falar uns com os outros. Estou confiante que sim.

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