Portugal 2020. Perguntas que não deviam ser incómodas para o Governo

Os fundos europeus têm constituído matéria em que as opções de Portugal são suportadas num consenso alargado.

O Ministro do Planeamento e das Infraestruturas anunciou no decurso dos últimos meses e por diversas ocasiões o objetivo de alterar o Portugal 2020, incluindo a reprogramação financeira dos programas operacionais. Num desses anúncios, o Governo teria já decidido o reforço em 800 milhões de euros do FSE, retirando esses recursos do FEDER para apoio ao investimento das PME. Noutro anúncio era assegurado o cofinanciamento de novas linhas e estações nos metropolitanos de Lisboa e do Porto e, mais recentemente, garantiu apoios para a modernização da linha de Cascais.

O Portugal 2020, designação atribuída ao Acordo de Parceria celebrado entre Portugal e a Comissão Europeia, consubstancia a estratégia nacional para o período de 2014 a 2020, em linha com as orientações do Quadro Estratégico Europeu, prevê a mobilização de importantes recursos dos fundos europeus estruturais e de investimento, num valor global superior a 25 mil milhões de euros.

O VII Relatório da Coesão, recentemente divulgado pela Comissão Europeia, mostra que os fundos europeus assumem em Portugal um peso no investimento público muito maior do que o verificado nos restantes Estados-Membros, circunstância que os OE de 2016 e 2017 acentuaram por força das opções do Governo de reduzir o investimento público aos níveis mais baixos de que há memória.

O Portugal 2020 foi delineado e negociado num contexto especialmente exigente de aplicação do programa de assistência financeira a Portugal e de presença da troika.

As opções estratégicas assumidas tiveram em conta os significativos desequilíbrios externos, orçamental e da balança comercial, as fortes restrições de financiamento à economia, a necessidade premente de consolidação contas públicas, o elevado nível desemprego e de exclusão social então verificados e as significativas assimetrias territoriais que persistem ou se agravam.

Aceitando que o principal deficit do País já não é de infraestruturas, mas sim de competitividade, o Portugal 2020 assumiu como objetivo central contribuir para a recuperação de uma trajetória de crescimento e emprego, promovendo uma economia aberta ao exterior. Esta opção explica a prioridade conferida ao apoio ao investimento das PME.

Por outro lado, o Portugal 2020 introduziu de forma inovadora uma clara orientação para os resultados, traduzidos em metas, em alternativa ao tradicional e redutor foco nas realizações, tendo Portugal assumido o compromisso de as atingir até 2020, o que obrigou a um maior esforço de enquadramento estratégico da aplicação dos fundos europeus estruturais e de investimento. 

O Portugal 2020 baseou-se num trabalho árduo, mas produtivo, amplamente consensualizado tanto no Governo e na Administração Pública, como nas várias entidades da sociedade civil, as empresas e os cidadãos, em alinhamento com os princípios definidos no Código de Conduta Europeu sobre Parcerias no âmbito dos fundos europeus. Nesse esforço de consensualização teve destaque em particular a Assembleia da República, o Conselho Económico e Social e a respetiva Comissão Permanente de Concertação Social e a Associação Nacional de Municípios Portugueses.

No quadro do envolvimento da Assembleia da República, foram realizadas audições especialmente dedicadas à preparação do Acordo de Parceria pelas Comissões de Assuntos Europeus e de Economia e Obras Públicas, tendo sido aprovadas orientações sobre a elaboração e negociação do Acordo de Parceria. E, não menos importante, foi assegurado o acompanhamento de todo o processo de negociação pelo principal partido da oposição, o mesmo que hoje lidera o Governo.

Quando o Governo anuncia ter já decidido medidas de reprogramação, de que são exemplo o anunciado reforço em 800 milhões de euros do FSE, e o financiamento em €400 milhões de novas linhas de e estações nos metropolitanos de Lisboa e do Porto, não previstas no plano estratégico dos transportes, ou a linha de Cascais, não poderemos deixar de nos recordar do enorme esforço de participação e consensualização que foi promovido na elaboração do Portugal 2020, em contraponto ao “iluminismo esclarecido” e ao centralismo que caraterizam este Governo.

Os assuntos europeus em geral e os temas relativos aos fundos europeus em particular, têm constituído matérias em que as opções de Portugal são suportadas num consenso alargado. Como não queremos acreditar estar perante operações de marketing de comunicacional sem qualquer consistência, torna-se inadiável dirigir algumas perguntas ao Governo que não deviam ser incómodas caso houvesse a transparência que a importância do Portugal 2020 pressupõe e exige:

- O Governo decidiu já de facto, unilateralmente e sem ter obtido a prévia concordância da Comissão Europeia, introduzir alterações no Portugal 2020, ou esses anúncios não passavam de meras operações mediáticas sem fundamento nem viabilidade assegurada?

- Que parceiros e entidades foram ouvidas na preparação da reprogramação do Portugal 2020 cuja decisão política é tida como praticamente concluída?

- Pretende o Governo retirar fundos atribuídos às regiões, nomeadamente Norte, Centro e Alentejo, para financiar novos investimentos de transportes públicos em Lisboa e no Porto? 

- Quer o Governo cortar os apoios ao investimento empresarial para resolver problemas orçamentais nas áreas do ensino e do emprego e assim obter resultados artificiais no déficit das contas públicas?

Estas perguntas apenas serão incómodas se estivermos perante mais um tema em que a geringonça ignora a prática de consenso alargado que sempre presidiu à abordagem dos assuntos europeus. O mesmo governo que prometeu discutir e consensualizar com os parceiros sociais e o parlamento as grandes obras públicas e a aplicação dos fundos europeus após 2020 não pode fazer a reprogramação do Portugal 2020 às escondidas, nas costas do país. Nem pode usar matéria tão relevante quanto a dos fundos europeus para, num exercício contínuo de propaganda e eleitoralismo, prometer tudo a todos. Nem pode, finalmente, continuar a declarar a sua paixão pela coesão territorial e, à socapa, desviar recursos financeiros das regiões mais pobres, a quem cabe a maior fatia dos fundos europeus, para Lisboa ou para pagar as despesas correntes do Estado.

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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