Sardinhas e cobardia política

Não há qualquer escrutínio democrático e racional no que toca à gestão sustentável de um património de todos.

Desengane-se quem pensa que o que escrevo é uma opinião crítica ao Governo e à sua política na gestão da sardinha. A crítica estende-se a todos os actores políticos que não têm a coragem de propor medidas em prol da sustentabilidade de um recurso natural, renovável, que é de todos e não só de alguns sectores corporativos muito eficazes a defender os seus interesses, mesmo quando esses interesses se sobrepõem a um bem comum. A cobardia vem, claro está, travestida de sensibilidade social, numa guerra entre Governo e oposição sobre quem deixa os pescadores mais satisfeitos.

Se olharmos apenas para a comunicação social generalista, a economia do mar em Portugal é quase só pescas e a economia das pescas é quase só sardinha. De energias renováveis ou biotecnologia marinha, dois (bons) desígnios do Governo, quase nada. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, a sardinha representou, em 2016, 12% do valor total das capturas no continente, enquanto, por exemplo, o polvo representou 21% desse valor. Quem olhar para as manchetes pensa que a economia do mar colapsará com as restrições recomendadas à pesca da sardinha. O assunto é recorrente e os bodes expiatórios variam, consoante as conveniências: os biólogos pesqueiros, os modelos matemáticos, as alterações climáticas, os do IPMA, os do ICES, os da Comissão Europeia, ou os golfinhos. O esforço de pesca dos últimos anos com biomassas e recrutamentos de sardinha nos mínimos históricos são sempre poupados, não vá o sector indispor-se.

Na semana passada pudemos ouvir declarações como “Podem contar que nos Santos Populares vão comer sardinha portuguesa, de certeza. A bem ou a mal [...]”, mostrando quem manda. À primeira proposta do Governo de medidas (pouco mais que cosméticas) de protecção do recurso, cai em cima a oposição cavalgando a onda da insensibilidade social, tentando ganhar pontos no apoio ao sector. Não há qualquer escrutínio democrático e racional no que toca à gestão sustentável de um património de todos, aquilo que a Política com P maiúsculo deveria fazer numa democracia madura.

Esta espécie (Sardina plichardus) não está em extinção. A espécie é de “pouca preocupação” para a União Internacional para a Conservação da Natureza. Tem uma área de distribuição apreciável, e zonas de abundância onde não tem muito interesse comercial, não sendo, portanto, um problema de conservação. O seu stock ibérico é antes um problema económico que, por irracionalidade nas decisões e falta de coragem de quem as toma, não conseguimos gerir, empurrando o problema com subsídios, na esperança de que tudo rebente nas mãos do próximo Governo, seja ele qual for.

Assim sendo, talvez seja mais fácil abolir as paragens, as quotas, e os tamanhos mínimos (e já agora os subsídios) e deixar colapsar o stock o mais rapidamente possível, para que, alguns anos depois, possamos finalmente exigir a quem decide que olhe para o assunto como a Política com P maiúsculo deveria olhar.

Recordo-me de, em 1995, em plena guerra da palmeta entre o Canadá e a União Europeia, ter ouvido na rádio um representante dos armadores dizer que os portugueses pescavam há 500 anos nos bancos da Terra Nova e não seriam agora uns biólogos quaisquer que lhes iriam ensinar alguma coisa. Ao mesmo assisto agora com os mestres mais antigos e sábios a serem levados pelos dirigentes do sector às reuniões com a tutela ou com a comunicação social, qual argumento de autoridade, para demonstrar que há sardinha em abundância. Ninguém é bom juiz em causa própria e continuo a preferir a separação de actividades, neste caso entre os que avaliam os stocks e os que os exploram. A decisão, essa terá sempre de ser dos nossos representantes eleitos.

Conheço peixes sem pescadores, não conheço pescadores sem peixes.

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