“Drug checking”: da expectativa à realidade

No rescaldo da segunda Conferência Europeia sobre Comportamentos Aditivos e Dependências, que aconteceu em Lisboa, reflexões no terreno sobre o estado da redução de riscos em contextos recreativos: do que está previsto ao que falta fazer

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Luke Besley/Unsplash

Volta e meia ecoam notícias sobre o sucesso da abordagem portuguesa ao “problema da droga”. Referem como o nosso país, em resposta à epidemia do uso de heroína dos anos 90, criou uma abordagem inovadora privilegiando a óptica da saúde em detrimento da óptica jurídico-penal, e como isso se traduziu em indicadores que temos vindo (com todo o direito) a celebrar desde então.

Um dos pilares em que assenta a abordagem portuguesa tem a ver com serviços de proximidade destinados a reduzir os riscos e minimizar os danos associados ao uso de drogas, pondo de lado a abordagem única da abstinência e adoptando uma atitude pragmática e humanista de promoção da saúde daqueles que não conseguem, ou não querem, deixar de usar substâncias psicoactivas (lembrar que não ficam excluídos dos direitos humanos). É executada principalmente através de equipas que saem dos seus gabinetes e vão ao encontro das pessoas utilizadoras nos locais onde elas estão, realizando trabalho de terreno nos vários territórios psicotrópicos.

O direito ao prazer é ainda olhado de soslaio, como se fosse um direito menor. A utilização de substâncias por motivos puramente hedonistas tem, muitas vezes, uma conotação pecaminosa. Facto é que as pessoas continuam, como sempre fizeram desde há milénios, a usar substâncias por motivos celebratórios, de êxtase ou, simplesmente, porque gostam. E se em relação a algumas como o álcool, o tabaco ou as benzodiazepinas achamos que é essencial, por motivos de saúde, prestar informação clara sobre os seus constituintes e concentrações, em relação a outras (tornadas ilegais por motivos que não têm nada a ver com saúde) tal permanece um golpe de sorte — ou de azar. Continuamos a confinar o olhar à abordagem patológica da adição, quando a maioria dos usos são não problemáticos. É comum dizer-se que quem teve más experiências com drogas se pôs a jeito, mas é mesmo este o papel que queremos ter enquanto sociedade?

Os serviços de análise de substâncias, vulgo drug checking, são uma prática elementar de redução de riscos. Ao permitir conhecer a composição daquilo que se comprou no mercado não regulado, em que na maioria das vezes se vende gato por lebre, contribuem para uma decisão mais informada e para a adopção de práticas adequadas que, em última instância, salvam vidas. São ainda uma importante medida de saúde pública ao permitir detectar a circulação de novas substâncias ou adulterantes potencialmente perigosos e emitir alertas através de um sistema de detecção precoce. Estando contemplados na estratégia portuguesa através do Decreto-Lei nº 183/2001, de 21 de Junho, que aprova o regime geral das políticas de prevenção de riscos e de minimização de danos, têm sido realizados desde então da forma “experimental” e “excepcional” que está expressa no documento.

O regime proibicionista anda há cerca de 50 anos a falhar estrondosamente na busca de um mundo livre de drogas e os seus efeitos iatrogénicos são assumidos a vários níveis, do individual ao económico e social. Há 16 anos, Portugal destacou-se por escolher uma abordagem ligeiramente alternativa e desde essa altura se constatam as vantagens desse caminho, bem como várias reflexões sobre o que falta fazer. Experimente fazer o exercício de perguntar a pessoas que usam drogas se alguma vez tiveram acesso a este serviço previsto na referida lei. O drug checking não é um tema novo, urge é que se operacionalize — sob pena de estarmos a ficar para trás em relação a outros países com políticas bem mais regressivas do que as nossas, onde nem sequer está enquadrado na legislação, que já o começam a disponibilizar de forma permanente.

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