Mulheres queixam-se da desumanização dos cuidados durante o parto

Relação com os profissionais de saúde é o factor mais determinante no momento em que nasce um filho, revela inquérito a 1678 mulheres portuguesas que é apresentado esta sexta-feira.

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A falta de liberdade de escolha e o terem tido que estar sozinhas foram dos aspectos mais criticados pelas mulheres Nélson Garrido

Os problemas relacionados com a natalidade em Portugal estão longe de se circunscrever às consecutivas quebras no número de nascimentos. A forma como se nasce justificaria a adopção de medidas que tendem a ficar esquecidas no discurso político e na investigação académica, como demonstram as conclusões de um inquérito que deu voz a 1678 mulheres portuguesas que passaram pela experiência do parto.

“A maior parte das mulheres reporta a sua experiência como positiva mas também tivemos eco de experiências negativas por parte de mulheres que não puderam ter o seu parceiro consigo e que se sentiram limitadas no seu poder de decisão”, concretiza Mário Santos, coordenador do inquérito Babies Born Better, uma iniciativa internacional destinada a conhecer a opinião das mulheres sobre a assistência recebida durante o parto e que desde que foi lançado, em 2012, chegou a 40 países e recolheu mais de 40 mil respostas de mulheres que tinham sido mães há menos de cinco anos.

No caso português, as conclusões preliminares deste inquérito, respondido entre Abril de 2014 e Setembro de 2015, e cujos dados estão ainda a ser trabalhados por investigadores do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) do Instituto Universitário de Lisboa, permitem uma constatação: “Uma das dimensões mais valorizadas na experiência das mulheres durante o parto é a relação que estabelecem com os profissionais, dos médicos aos enfermeiros e auxiliares. E grande parte das experiências negativas não decorreu da situação clínica mas da relação que se estabeleceu com estes profissionais e que muitas mulheres disseram que não foi respeitadora da sua individualidade”, precisou ao PÚBLICO Mário Santos. 

O coordenador do inquérito antecipou ainda algumas das conclusões que vão ser divulgadas no conjunto de conferências que decorre esta sexta-feira no ISCTE, sob o mote Nascimento e Outros Debates: Género, Parentalidade e Criação.

A conclusão seguinte resulta assim óbvia. “Um programa de saúde materna que não inclua o ponto de vista das mulheres será sempre incompleto, imparcial”, sublinha o investigador. É que o teor das respostas (no final só foram considerados 1348 inquéritos, respondidos por mulheres com idades entre os 18 e os 48 anos e cujos partos ocorreram nos hospitais em 94,9% dos casos) permitiu perceber que as mulheres valorizaram sobretudo aspectos como o carinho, o profissionalismo e a confiança nos profissionais que as assistiram durante o parto.

Quando questionadas sobre o que mudariam, as mulheres apontaram lacunas como a ausência de liberdade de escolha, a desumanização dos serviços, o terem tido de estar sozinhas e a ausência de promoção e de aceitação do “natural”. As intervenções obstétricas surgem assim, sem surpresas, mais vezes associadas aos aspectos negativos do parto, o que, independentemente da sua legitimidade, “pode remeter para as representações associadas à cultura intervencionista que caracteriza os cuidados de saúde materna na contemporaneidade”, concluem os autores do estudo. Ao contrário, o recurso a métodos não farmacológicos para alívio da dor (banho, água, bola de pilates…) e a possibilidade de fazer “pele com pele” com o bebé foram altamente valorizados.

nascer.pt

Da relação entre o feminismo e a maternidade aos desafios e obstáculos que a sociedade portuguesa coloca à paternidade cuidadora, os debates vão incidir ainda sobre a questão da violência obstétrica. Mas a iniciativa servirá também para apresentar o projecto nascer.pt. Trata-se, conforme adiantou a investigadora do CIES Sónia Cardoso Pintassilgo, de um laboratório de estudos sociais sobre o nascimento que pretende congregar o conhecimento produzido em torno do nascimento mas também “produzir novo conhecimento nessa área”.

“A questão da natalidade, e o seu enquadramento social e familiar, está coberta de forma muito exaustiva pela demografia e pela sociologia da família. Mas há matérias que precisam de ser estudadas e investigadas: as condições assistenciais do nascimento, por que é que há mais cesarianas nuns sítios e menos noutros…”, enumera a investigadora, para elencar ainda as questões da bioética em torno do nascimento e as novas práticas de medicina reprodutiva como áreas que exigem análise mais aprofundada.

O nascer.pt deverá estar vinculado ao CIES mas, conforme situa Sónia Pintassilgo, “ainda não está a funcionar”. Assim que esteja, o objectivo é que “pela produção, reflexão e sistematização do conhecimentom, ajude a formatar a decisão politica nesta área”. 

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