Os bons homens não deviam ser espectadores silenciosos

É necessário que mulheres e homens mudem a sua resposta a actos de agressão sexual.

A dor e a raiva de mais de um milhão de pessoas que twitaram #MeToo (#EuTambém), na última semana, inundaram as redes sociais com histórias pessoais sobre assédio ou agressão sexual. Esta marcha de solidariedade virtual indica tanto a urgência de encontrar uma voz partilhada como também a escala escondida de assédio, da qual não havia anteriormente registo. Quando as mulheres são quase invisíveis, quando não são realmente vistas, parece que isso justifica que as pessoas não se preocupam com o que lhes acontece.

Esta indignação online é importante porque está a dar voz a actos que são públicos, mas que são silenciados e neutralizados por convenção. É um privilégio cruel ser capaz de assediar uma rapariga ou uma mulher permanecendo impune, mas em muitos casos esta é a norma. O que observamos actualmente, à medida que as mulheres constroem e reforçam os seus relatos, e que os homens se juntam para reconhecer a sua responsabilidade, é a validação do direito de falar. Vemos também a força em números que vêm de experiências individuais acumuladas, experiências caracteristicamente não declaradas.

À medida que a multidão de mulheres que contam a sua história aumenta, começa a surgir uma imagem da vida real. Está a crescer a massa crítica que prova o quanto há de errado com uma cultura de silêncio em que as pessoas saem impunes.

Esta onda online junta-se a outros movimentos de massas que expressam o activismo das mulheres: as marchas latino-americanas "Ni Una Menos" protestam contra a violência contra as mulheres, particularmente as menos privilegiadas; as marchas das mulheres que tiveram lugar no mundo inteiro no início deste ano, apoiando os direitos das mulheres e outras liberdades; e as marchas na Polónia e na Irlanda contra a proibição do aborto.

A cultura de silêncio protegeu também os autores de assédio contra a comunidade LGBTI e contra os que são mais vulneráveis por razões de etnia, pobreza ou idade. São estas as mulheres mais afectadas, menos visíveis e que mais beneficiam da força colectiva de vozes que cria pressão e que catalisa mudanças culturais. Afinal, foi Tarana Burke, membro de uma organização comunitária em Nova Iorque que apoia jovens mulheres negras, quem criou o "me too [eu também]". Foi a sua amiga Alyssa Milano quem pegou na mensagem, fazendo-a chegar a milhares de milhões de pessoas.

A participação plena e livre das mulheres na sociedade, na política e no local de trabalho é essencial para que as vozes das mulheres sejam ouvidas e os seus direitos respeitados. Quanto mais mulheres ocuparem altos cargos nos sectores público e privado, mais oportunidades há para mudar a cultura da invisibilidade e impunidade que possibilita que homens poderosos ataquem as mulheres. Todos os tipos de assédio, no trabalho, em casa e fora do lar são inaceitáveis e não devem ser ignorados.

A indiferença casual e as pessoas que desvalorizam estas situações dizendo "não é nada" precisam de acabar. O número de homens que aderiu a esta campanha é promissor, mas longe de ser suficiente (30%, de acordo com um relatório). Já foi demasiado o tempo em que a cegueira permissiva é a norma. É necessário que mulheres e homens mudem a sua resposta a actos de agressão sexual e actuem em solidariedade para torná-los visíveis e inaceitáveis. Os bons homens não devem ser espectadores silenciosos.

Precisamos de capacitar todas as mulheres para falarem, precisamos de respeitar os seus direitos e os seus corpos, e de estabelecer e enraizar como normais os comportamentos que não permitem a impunidade. Não à impunidade.

Saudamos os milhares de mulheres que têm lutado contra todas as violações dos direitos das mulheres e das raparigas e apelamos a um investimento renovado na luta para pôr fim a todo o tipo de violência contra as mulheres.

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