Duplo Espaço: o atelier de Márcia Bellotti e Luiza Porto Ribeiro

Laura Sequeira Falé gosta de ateliers e mostra-os no blogue Duplo Espaço. Desta vez, visitou as artistas Márcia Bellotti e Luiza Porto Ribeiro

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Laura Sequeira Falé

No dia em que escrevo este texto, a Márcia Bellotti e a Luiza Porto Ribeiro já não habitam o pequeno apartamento que era também o seu atelier. De facto estão a mais de 8.000 quilómetros da sua casa portuguesa: após dois anos e meio a viver em Portugal, regressam ao Brasil para uma pausa e para matarem saudades da família.

A pequena sala iluminada estava transformada no atelier onde ambas trabalhavam. Não precisam de muito espaço e como vieram ter a Portugal inesperadamente não trouxeram objectos desnecessários.

São um casal há quase uma década e foram começando a desenvolver o seu trabalho em conjunto. Mas antes de serem dupla, trabalhavam individualmente. A Luiza estudou cinema, edição e montagem, design e música e trabalhava por conta de outrem, apesar de quase secretamente desenvolver trabalho pessoal. A Márcia sempre desenvolveu trabalho pessoal na área do cinema e das artes visuais.

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Vieram ter a Portugal em 2015 através do Art Institute. De lá até cá foi um instante mas a permanência em Lisboa foi um desafio. Luiza tinha dupla cidadania, mas Márcia veio para Portugal sem visto de residência. Fui uma luta para obtê-lo e isso fê-la pensar na condição dos que estão ilegais. Sempre empatizou com o tema, mas nunca o tinha sentido na pele; houve até uma ocasião em que precisou de ir ao hospital e lhe foi negado atendimento.

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Ambas consideram que contribuem para o trabalho individual de cada uma de forma indirecta. É porque partilham conversas quase 24 horas por dia que se vão influenciando mutuamente e isso ajuda a que se compreendam melhor, o que contribui para a boa qualidade daquilo que querem fazer.

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À Márcia sempre interessaram temas relacionados com a intimidade sexual e de género dos indivíduos. Até agora os seus trabalhos contavam sempre com a participação de outras pessoas. Quando vivia no Brasil, colocava anúncios a pedir às pessoas que partilhassem com ela a sua intimidade; havia sempre um número considerável de respostas, o que a obrigava a seleccionar as histórias. 

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Quando chegaram a Portugal, tentou fazer o mesmo. Contactou com associações LGBTQ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero e Queer) que aprovaram com entusiasmo a sua ideia. Mas quando chegou altura de pedir às pessoas que efectivamente colaborassem, nem um participante obteve. Não esperava que isso acontecesse e pensa que talvez as pessoas tenham tido medo de serem julgadas — como elas próprias julgam tanto os outros, não querem sentir que são julgadas da mesma forma agressiva.

Ainda houve alguém que lhe respondeu, disposta a partilhar a sua intimidade sexual com a artista. Mas quando Márcia se preparava para receber a pessoa, esta enviou-lhe uma carta de recusa: afinal não se sentia confortável em falar com uma desconhecida. Ambas pensam que no Brasil isto não acontece porque, da mesma forma que as pessoas são mais agressivas, também têm menos medo de se mostrar, de se expor. O julgamento funciona como força para continuar e os lisboetas, pelo contrário, deixam-se abater por esse julgamento.

Como ninguém respondia aos seus anúncios, Márcia tentou outra abordagem. Pensou que talvez o problema fosse mostrar a cara, então colocou um novo anúncio: pedia que lhe enviassem objectos que fizessem parte "do quarto", das relações sexuais. Em troca, e como agradecimento, enviaria um objecto seu. Contando com um avultado número de envios, recebeu um único objecto que pode ser visto aqui

Quanto a Luiza, o caso é diferente. Começou a tecer e a bordar recentemente e quando é questionada sobre o seu trabalho, a sua personalidade tímida sobressai e afirma que ainda não está pronta para dizer alguma coisa sobre ele. É recente esta forma de expressão, começou há cerca de dois anos, desde que chegou a Lisboa. Iniciou com desenhos, conjuntos de linhas que faziam estas formas, para depois evoluir para o bordado. A partir daí, sente que não consegue fazer outra coisa senão acordar e começar a trabalhar, para nunca parar até ao final do dia.

Tornou-se uma espécie de obsessão, própria de quem está a descobrir uma coisa com a qual se identifica. Obviamente que também lhe interessa a expressão da sexualidade feminina, mas tem dificuldade em chamá-lo feminismo. Ficamos assim: é o que é, qualquer coisa que ainda não tem nome. É o trabalho de Luiza.

Se preferem viver em Portugal ou no Brasil? Apesar da dificuldade em manter o tipo de trabalho, em Portugal, sem dúvida. O silêncio é aquilo de que mais gostam, mas a liberdade de poder andar na rua sem pensarem em ser assaltadas soma pontos. No Brasil, as pessoas habituaram-se a andar em transportes públicos e a sentir a tensão de poder ser assaltadas a qualquer momento. Descrevem isto com medo, como se houvesse sempre algo no ar que já é tão natural que parece que não existe. O problema é que existe e asfixia.

Se no Brasil eram mais livres na expressão artística, em Portugal conseguem ter outra qualidade de trabalho e usufruir do tempo de forma mais proveitosa. Têm também uma preocupação a menos porque obtêm rendimentos que não da arte, o que lhes permite fazer exactamente aquilo que desejam. Mas, dizem, essa é uma liberdade aparente: é inevitável (e incómodo) estarem presas à necessidade de aprovação externa.

Sentem que agora o trabalho chegou a um ponto de viragem. Depois de terem exposto na MUTE, e Lisboa, é hora de terminar esta pesquisa de dois anos e começar uma nova. É o que estão a fazer neste momento.

Os instagrams da Márcia e da Luiza apresentam uma boa parte dos seus trabalhos. São utilizadoras assíduas! Os seus sites estão à distância de um clique: Márcia Bellotti e Luiza Porto Ribeiro

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