As FARC no adeus às armas

Há um ano, o repórter João Pina foi ao último Congresso Guerrilheiro das FARC, na Colômbia, com um tipo de fotografia pouco habitual em jornalismo: a polaroid. O Sintra Press Photo começou ontem a mostrar parte desse trabalho

Fotogaleria
João Pina
Fotogaleria
João Pina
Fotogaleria
João Pina
Fotogaleria
João Pina
Fotogaleria
João Pina
Fotogaleria
João Pina
Fotogaleria
João Pina
Fotogaleria
João Pina

A fotografia de Felipe Rodriguez foi tirada ao romper do dia. Havia muito nevoeiro e o sol ainda não tinha nascido. Por trás de Felipe, de rosto escondido no vapor de água, vislumbra-se uma baliza improvisada no descampado, onde o grupo deste combatente das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) estacionou – passa agora um ano – para participar na 10.ª Conferência Guerrilheira, em Llanos del Yarí, no sul do país. Era muito cedo. Ainda não se jogava futebol. E via-se com pouca nitidez, mas um extraordinário acaso haveria de contribuir para retirar da névoa a imagem do rosto deste guerrilheiro e de o levar para as mãos da mãe, que não tinha qualquer informação dele há dez anos.

Para além desta fotografia, o repórter João Pina, que passou vários dias na conferência, tirou outra, mais próxima do rosto de Felipe e “menos mística”, para que o motorista do correspondente do Financial Times na Colômbia, também em trabalho naquele local, a entregasse à mãe do guerrilheiro. Quis o acaso que o homem que conduzia o jornalista do FT se cruzasse naquela alvorada com Felipe Rodriguez, seu amigo de infância, que se tinha juntado às FARC com apenas 13 anos. Depois da surpresa do reencontro, o repórter do FT pediu a Felipe que escrevesse uma carta à mãe e o jornalista português sugeriu juntar a essa mensagem um retrato. O impacto da mensagem foi grande e esta mãe, conta Pina, acabaria por ir mais tarde aos campos de Llanos del Yarí abraçar o filho.

O aparato de fotografia instantânea que João Pina decidiu levar para os campos da região de Yarí (uma câmara de grande formato e filmes Polaroid) revelou uma utilidade imprevista, contribuindo para juntar mãe e filho que não se viam há uma década. Funcionou também como estratégia de sedução, tendo em conta que muitos destes guerrilheiros, embrenhados na selva há décadas, redescobriram a “magia” de ver a sua imagem a aparecer pouco tempo depois de ter sido captada (“A partir de certa altura já todos queriam aparecer”, contou ao P2 o fotógrafo). Mas foi, sobretudo, uma escolha pensada para marcar a diferença no meio de um acontecimento muito mediático (“Havia quase tantos jornalistas como guerrilheiros”), naquele que foi o último encontro das FARC na clandestinidade e que serviu para discutir e votar (favoravelmente) o histórico acordo de paz com o Governo colombiano (que viria a ser chumbado em referendo, embora depois viabilizado politica e juridicamente).

É desta reportagem pouco ortodoxa que saíram as oito fotografias com que João Pina participa no Sintra Press Photo (MU.SA – Museu de Artes de Sintra, entre 14 de Outubro e 5 de Novembro), uma edição intitulada Suburbia, dedicada à apresentação de trabalhos sobre pessoas e lugares cuja existência se situa à margem da sociedade.

Para além das pequenas polaróides originais (algumas das quais revelam os rostos ainda pouco conhecidos de membros da cúpula das FARC), João Pina mostrará outras tantas ampliações feitas a partir destas imagens. Ao seu lado, no Sintra Press Photo, estarão o brasileiro André Liohn e o italo-britânico Siegfried Modola. O primeiro apresenta imagens que alertam para o crescendo de episódios de violência no Brasil, onde, no último ano, as ocorrências deste tipo triplicaram (houve 60 mil homicídios; a polícia matou em média 6 pessoas por dia). O segundo revela a complexa realidade das favelas de Nairobi, Quénia, com cerca de dois milhões de pessoas, onde se misturam habitação precária, prostituição, roubo e abuso de drogas.

Foto
João Pina
Sugerir correcção
Comentar