Habitada: na Baixa de Coimbra há uma casa aberta para impedir que as dos outros fechem

Projectos Há Baixa e Ocupação Tropicana juntam-se para promover a discussão sobre a habitação na cidade.

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nelson garrido

O atelier de costura de Glória Vilão foi dos primeiros espaços ser alvo de reabilitação no âmbito do projecto Há Baixa, impulsionado por um colectivo de estudantes de arquitectura da Universidade de Coimbra. O interior do pequeno espaço no Largo do Romal onde a modista trabalha há cerca de uma década foi completamente remodelado e decorado.

Na quarta-feira, a “dona Glória”, como lhe chamam os estudantes, vai ter que abandonar o espaço. O prédio foi comprado e o novo dono quer dar outro destino ao imóvel. Glória Vilão, que esteve fora do país entre Março e Julho, soube que o atelier tinha sido vendido por uma amiga, que lhe ligou a dizer “ó dona Glória, vão pô-la na rua”, conta ao PÚBLICO. “Não pode ser. Tenho contrato e tenho tudo em dia”, pensou.

O senhorio que vendeu a casa não a avisou previamente mas, fora isso, “tem sido impecável”, garante, referindo que, desde Junho que a renda é paga pelo antigo proprietário ao novo enquanto a modista não se muda. Diz não ter razões de queixa, tanto que o que retirar do atelier do número 15 do Largo do Romal vai para o número 16, um espaço “que até é maior”, propriedade do antigo senhorio. Ali poderá reabrir o negócio.

O caso de Glória Vilão acabou por se resolver. Mas há outros que não têm um desfecho tão simpático, afirma João Peralta, do colectivo Há Baixa. É para discutir o problema da habitação e do comércio local que surge a iniciativa Habitada.

A iniciativa tem como promotores o Há Baixa e o grupo informal Ocupação Tropicana. De 22 a 29, as portas da Camponeza, uma casa centenária situada na rua da Louça, vão estar abertas e João Peralta vai estar lá a viver, para receber quem quiser entrar, seja estudante, morador ou comerciante, para falar sobre as tensões que moldam a vida naquela zona da cidade.

Pelo meio há conversas, debates, cinema e jantares comunitários. À abertura na sexta-feira 22, segue-se uma conversa sobre a habitação em que serão discutidos os casos de Lisboa, Porto e de Valparaíso, no Chile. “O objectivo é perceber se há pontos similares, e como nos podemos posicionar”. A Camponeza também vai receber a Caravana pelo Direito à Habitação que, depois de vários pontos do país, passa por Coimbra no dia 24. O programa encerra a 29, com a participação da socióloga Sílvia Ferreira, do arquitecto José Bandeirinha e do colectivo Habita.  

Repensar a intervenção

A iniciativa “surgiu em consequência da nossa actividade na Baixa”, explica o estudante de arquitectura. O facto de lidarem com situações de habitação precária e com as dificuldades dos moradores da Baixa ao longo das intervenções das duas edições, levo-os a ter consciência de que, para além da precariedade da habitação, havia um problema crescente.   

“A Baixa está a ser comprada a eito”, descreve o João Peralta. “Muito investimento privado, muitas lojas a fechar, pessoas a sair”. Este cenário, entende, não é motivado apenas pela pressão turística, mas também pela pressão imobiliária.

Assim, pensaram em “ocupar aquele sítio para falar sobre o direito à habitação”, sobre as questões da habitação precária e as pressões que levam as pessoas a sair das suas casas. A “ocupação” é consentida pelo dono do imóvel, acrescenta.

O caso do atelier de Glória Vilão é paradigmático. O facto de a reabilitação ser feita e o comerciante ser forçado a sair tão pouco tempo depois “obriga a repensar o Há Baixa”. Durante as duas edições sentiram o “aumento da especulação”. “O que fazíamos era pingar. Ficávamos 15 dias no Romal e depois íamo-nos embora, mas tem de haver uma acção continuada”, defende.

Por isso, o residente temporário da Camponeza entende que a responsabilidade do fenómeno é política. Reconhecendo que há várias situações em o comércio é datado, considera que “não há, nem nunca houve um pensamento sobre como ajudar as pessoas que lá estão”.

Pressão aumenta nas zonas históricas

De acordo com os dados do Registo Nacional de Alojamento Local, desde o ano em a Universidade de Coimbra foi classificada como património da humanidade pela UNESCO, foram registados 155 destes estabelecimentos só em Coimbra. A maioria deles (85) situa-se na Baixa e na Alta.

O aumento de oferta tende a acompanhar a subida da procura. Segundo os dados do Turismo do Centro de Portugal, em 2013, dormiram 263 mil nas unidades hoteleiras da cidade. Em 2015, o último ano de que há dados completos, o número saltou para 337 mil turistas a pernoitar em Coimbra.

Depois de uma primeira fase em que o número de registos é residual – um por cada ano em 2013 e 2014 – 2015 marcou o ponto de viragem. Foram 42 os novos espaços de alojamento local a receber licença. Em 2016 foram 46, mas o ano de 2017 vai superar largamente esse registo: até hoje foram efectuados 65 registos de novas unidades de alojamento local, seja moradias, apartamentos ou hostels.

A ideia do Habitada, diz João Peralta, é “fazer um ponto de situação”, num momento em que esta questão da pressão turística e imobiliária “ainda não está numa fase tão avançada como em Lisboa e no Porto”. “O objectivo é ficar com ferramentas de como prestar esse auxílio” às pessoas. 

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