O lado explicitamente político da colecção de arte La Caixa

A Capital Ibero-americana de cultura traz a Lisboa uma selecção de artistas da instituição financeira espanhola.

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Nimfa Bisbe, a curadora de Turbulências, que inaugura esta sexta-feira à tarde no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, em Lisboa, repete por diversas vezes a expressão “compromisso social” para caracterizar o que une os 19 artistas que integram esta exposição. Sabe que esta é a tónica do tempo que atravessamos, ou pelo menos de um sector largo de artistas em actividade para quem os ecos das catástrofes humanitárias que documentam o nosso quotidiano, não apenas não os deixam indiferentes, mas os motivam para imaginar uma reflexão plástica dentro do meio de expressão de cada criador.

Bisbe afirma também que nos anos mais recentes — por alto, os que sucedem ao atentado de 11 de Setembro e à passagem do milénio —, a própria colecção da Fundação Bancária “la Caixa” se orientou neste sentido. “Se nos anos 1980 e 1990 as nossas aquisições se centravam muito na arte da Europa e dos Estados Unidos”, afirma, “desde então para cá temos procurado alargar a colecção às produções artísticas de outros continentes e de outras realidades”. Acrescenta ainda que, quando o coordenador da bienal, António Pinto Ribeiro, lhe apresentou o conceito da mesma, encontrou ligações entre os propósitos desta última e aquilo que se pretende na colecção espanhola. “Há uma implosão de centros artísticos que tal como sucede na bienal, é nosso propósito destacar. Melhor: não há centro, apenas artistas a trabalhar sobre os temas que os preocupam e motivam.”


De  certo modo, este conceito igualitário da inexistência de um centro artístico está muito bem exemplificado numa das peças presentes na exposição, um vídeo do mexicano Carlos Amorales. Trata-se de uma dupla projecção, que de um lado apresenta sequências digitais próximas do imaginário tradicional do país do autor, e do outro um mapa-múndi cujos países estão permanentemente a desagregar-se (e a reconfigurar-se) em relação à sua real posição no globo. Mas a exposição, que ocupa os dois pisos do Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, onde ficará até 3 de Dezembro, toma o nome de uma peça célebre, já com alguns anos, da iraniana Shrin Neshat, que por sinal é também uma dupla projecção: num dos ecrãs, um actor canta uma melodia exclusivamente reservada aos homens na cultura iraniana, ao passo que, no outro, uma mulher velada se mantém em silêncio. Esta é decerto uma das obras mais fortes de toda a exposição, embora não a que surpreenderá mais o visitante mais informado.

Há outras peças na exposição que são também conhecidas, como a da dupla de fotógrafos espanhóis Bleda Y Rosa, que aqui trazem um conjunto dos seus famosos Campos de Batalha, neste caso do Ultramar: imagens de paisagens ora banais, ora monumentais, onde durante a história da colonização na América do Sul ou das lutas de independência foram cenários de batalhas sangrentas. Esta alusão à guerra também se nota, por exemplo, na peça do suíço Thomas Hirshorn, Vitrine Murale (Goya), onde reproduções dos Desastres da guerra do pintor romântico espanhol se conjugam com as formas metastásicas, monstruosas das personagens habituais de Hirshorn. Goya, que de resto é um dos primeiros artistas na história da arte ocidental a considerar a guerra como o momento do horror (em vez do momento celebratório do vencedor, habitual durante toda a Idade Moderna), surge aqui também como uma espécie de paradigma dentro do contexto ibérico. Não nos esqueçamos que a colecção La Caixa é uma colecção espanhola. E Nimfa Bisbe mostra-se convicta de que as oportunidades de colaboração entre a instituição onde trabalha e outras congéneres portuguesas serão mais prováveis no futuro, dado que o banco espanhol adquiriu há pouco o português BPI.

Se nos artistas da América Latina o olhar sobre a história colonial é quase uma constante, noutros casos foi a actualidade no Mediterrâneo e a permanente chegada, ou não, de refugiados à Europa que inspirou os artistas a trabalhar. De destacar, neste caso, uma das peças que acolhem o visitante à entrada da exposição, do albanês Adrian Paci, intitulada Centro di permanenza temporânea. Nele, mostra-se uma escada de acesso a aviões repleta de actores que fisicamente se assemelham a habitantes do Médio Oriente, que não dá acesso a coisa nenhuma: como Sísifo, os actores parecem condenados a subir eternamente a escada, sem que essa tarefa tenha quaisquer resultados.

 Mais adiante, é ainda a guerra, os motins brasileiros (José Damasceno), e mesmo uma ficção sobre um guerrilheiro libanês e as armas de guerra que lhe dão por tarefa identificar (Walid Raad). O mexicano Gabriel Orozco, por seu lado, terá talvez uma das obras menos literais de toda a exposição. Com o nome Arcos de llantas. Kiosko imperial. Árbol frágil. Caballo del desierto. Winter hoop. Piedra, tubo y drenaje, apresenta uma série de imagens que são uma homenagem à criatividade, ao engenho e, porque não, ao humor junto dos mais desfavorecidos.

A peça mais impactante da exposição, contudo, vem assinada por Apichatpong Weerasethakul. Trata-se de uma instalação vídeo onde o artista tailandês documenta, em vários filmes com diferentes recursos, uma estadia na fronteira entre o seu país e o Laos, e o quotidiano de rapazes descendentes de uma comunidade de guerrilheiros que aí vive escondida na selva. Percebemos que aqui houve qualquer coisa como um pudor de respeitar o quotidiano da comunidade e de não ultrapassar os limites que a criatividade artística poderia julgar absolutos. Se todas as peças presentes na exposição deixam transparecer a autenticidade dos conceitos defendidos e trabalhados pelos seus autores, é talvez nesta obra, também porque estamos perante um documentário — e logo porque há uma relação com o real mais estreita do que é habitual na arte contemporânea — que ela se torna pungente e nos obriga ao silenciar da interpretação.

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