Concursos públicos: o melhor critério pode não ser o preço

Novo Código dos Contratos Públicos implica mudanças na fixação dos preços-base, nos critérios de adjudicação dos contratos e cria a figura do gestor do contrato.

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fvl fernando veludo/nfactos

Com 35 artigos revogados, 54 artigos novos, alterações em 155 artigos e a publicação de mais oito anexos, pode dizer-se que muita coisa mudou no Código dos Contratos Públicos que saiu em Diário da República no primeiro dia de Setembro.

O diploma que regulamenta o importante mercado da contratação pública foi alterado pela nona vez e só vai entrar em vigor no próximo dia 1 de Janeiro. Até lá, as quase três mil entidades adjudicantes devem preparar-se para a mudança das regras que, segundo o secretário de estado da tutela, Guilherme de Oliveira Martins, priorizaram a “flexibilidade” e a “transparência" e trouxeram maior responsabilização ao acompanhamento da execução do contrato, criando a figura de um gestor do projecto.

Uma das principais mudanças foi a alteração no critério de adjudicação: até agora é obrigatório que seja feito à proposta com o preço mais baixo. A partir de Janeiro pode e deve ser feito à proposta economicamente mais vantajosa.

O primeiro a aplaudir esta medida seria o presidente da Confederação da Construção e do Imobiliário, Manuel Reis Campos, em nome do importante sector das empreitadas de obras públicas. Mas, apesar de ter reclamado por esta mudança desde há alguns anos, não o faz ainda, “porque a redacção do diploma dá lugar à discricionariedade”.

“Concordamos em absoluto que a regra deve ser adjudicar à proposta economicamente mais vantajosa, a que traz a melhor relação qualidade-preço ou custo-benefício. Mas não podemos concordar que serão os adjudicantes a definir qual deve ser a medida mais adequada, e que podem optar pelo preço mais baixo se esse critério lhes parecer mais adequado”, criticou.

Foi, também, por não ter o carácter obrigatório e universal que gostaria de ver no artigo que altera os critérios de fixação dos preços anormalmente baixos que Reis Campos diz que “a revisão profunda que o Governo quis fazer acabou por ficar a meio caminho”.

Na lei agora publicada, o preço anormalmente baixo deixa de estar indexado a um preço base para comparação. Para a tutela, tratou-se de corrigir um desequilibrio: “A ideia foi inverter o ónus de justificar o critério. Não são os concorrentes quem tem de justificar o preço anormalmente baixo, deve ser a entidade adjudicante a fazê-lo”, defendeu, ao PÚBLICO, Oliveira Martins. “Cada um faz como quiser, isto não vai levar a lado nenhum”, reclama Reis Campos.

Ajustes directos vão diminuir

Para baixar a elevadíssima percentagem de ajustes directos que existem na contratação pública - uma média de 86% do total de procedimentos nos últimos três anos e cerca de 50% do valor dos contratos efectuados em 2015 -, o novo Código dos Contratos Públicos criou um novo procedimento que obriga a consulta prévia a três entidades em todas as aquisições de bens e serviços acima dos 20 mil euros e empreitada de obra pública acima dos 30 mil euros.

Na legislação ainda em vigor, os ajustes directos podem ser usados para a formação de contratos de obras públicas até 150 mil euros, pelo que esta medida deverá reduzir em 70% o numero de ajustes directos nas obras públicas, e dá resposta às críticas que se ouviram muitas vezes, quer da Comissão Europeia quer do Tribunal de Contas, relativas ao numero excessivo de ajustes directos sem concorrência na contratação publica portuguesa.

Ao nível da simplificação e flexibilização, pode ainda destacar-se o alargamento da figura do concurso público urgente às empreitadas cujo valor do contrato não exceda os 300 mil euros, e a redução drástica dos prazos deste procedimento, bem como os dos ajustes directos (as pequenas empreitadas até 10 mil euros podem realizar-se por ajuste directo simplificado) e da consulta prévia.

A incorporação de directivas comunitárias levou ao aparecimento da figura de adjudicação por lotes, de forma a facilitar a participação das pequenas e médias empresas em concursos a que até agora, por causa do valor que envolvia, lhes estavam vedados.

Também os mecanismos de prestação de cauções e garantias vão ser alterados, passando o valor de 5% do contrato a ser o pagamento máximo que quem adjudica pode cobrar. Outra novidade ainda, com este novo código, é a possibilidade de resolver litígios de uma forma mais rápida e menos onerosa, substituindo os tribunais pelos centros de arbitragem institucionalizados que, acredita o secretário de Estado do Planeamento, “não deixarão de aparecer em breve, fruto de uma adequada organização do mercado”. “

Acreditamos que, ao darmos este sinal, o mercado se vai organizar para criar estes tribunais arbitrais. Temos bons exemplos dessa organização e do bom funcionamento no lado tributário”, preconizou Oliveira Martins.

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