“Nos 49er tenho uma montanha para subir e muito para aprender”

Recordista de medalhas olímpicas pelo Brasil e detentor de 13 títulos mundiais na vela, Robert Scheidt procura nesta classe uma experiência diferente: “É quase como entrar num novo mundo”.

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Rodrigo Moreira Rato

Após dois dias em que as condições meteorológicas impediram o início do Campeonato do Mundo de 49er e 49er FX, alguns dos melhores velejadores do mundo começaram ontem a competir na frente marítima do Porto e de Matosinhos. Entre os nomes grandes da modalidade que disputam em Portugal o título mundial daquela que é considerada a mais importante classe olímpica de vela, há um nome que se destaca: Robert Scheidt. Depois de, em 2013, ter surpreendido ao voltar a competir na classe Laser após oito anos de ausência, tornando-se no primeiro campeão mundial acima dos 40 anos, o recordista de medalhas olímpicas do Brasil — dois ouros (Atlanta 96 e Atenas 04), duas pratas (Sydney 2000 e Pequim 2008) e um bronze (Londres 2012) — voltou a surpreender o mundo da vela. Aos 44 anos, e com 13 títulos mundiais no currículo nas classes Laser e Star, Scheidt continua sem encontrar o seu limite e recomeça tudo do zero em Portugal. Apesar de reconhecer que nos 49er tem “uma montanha para subir e muito para aprender”, este brasileiro, que começou a velejar com nove anos na represa de Guarapiranga, explica que a “vela é um desporto sem idade” e que mantém o gosto de “velejar, competir e aprender”.

O que motiva um velejador com o currículo do Robert Scheidt, que venceu tudo na classe Laser e Star, a recomeçar tudo do zero numa classe nova?
O principal motivo é o prazer de velejar. Gosto muito de velejar, de competir e de desafios novos. Velejei mais de 20 anos nas classes Laser e Star, e tentar uma classe nova é um prazer. Tem características diferentes e é quase como entrar num novo mundo, num novo desporto. Isso motiva-me bastante. Nos 49er tenho uma montanha para subir e muito para aprender, mas acima de tudo há o gosto de velejar, de competir e também de aprender. É nesse caminho que eu estou.

Na classe Laser competia sozinho. É fácil esta transição para uma classe na qual tem de haver comunicação e tem de partilhar decisões com outro velejador?
O 49er é um barco muito dinâmico. Mais do que em qualquer outro, é importante o entrosamento da tripulação. É um barco em que é preciso muita sincronia. Quase como se fosse uma coreografia, uma dança. Uma coisa dinâmica que exige força, agilidade e equilíbrio. O Gabriel [Borges] já tem experiência nesta categoria, por isso está a ajudar-me a melhorar. Na verdade, ele é que é o bom do barco e eu é que preciso de o acompanhar nessa evolução.

O Brasil sempre teve grandes velejadores, como o Robert ou o Torben Grael. Como é que vê o surgimento desta nova geração de talentos brasileiros?
O Brasil está em boas mãos e temos uma boa geração, entre os 20 e os 30 anos. Temos a Martine Grael e a Kahena [Kunze], que são as actuais campeãs olímpicas, temos o Jorge Zarif na classe Finn, a Patricia Freitas no Windsurf. Estamos bem representados. O ideal era ter três ou quatro velejadores de topo em cada categoria, mas não temos essa profundidade. É nisso que o Brasil precisa de trabalhar.

Sempre que os regulamentos permitem, o Robert faz questão de colocar o desenho das mãos dos seus dois filhos nas velas do barco em que compete. O Erick, de sete anos, é o mais velho e já veleja. É um motivo de orgulho?
Ver o nosso filho a subir a um barco e a conseguir velejar é maravilhoso. Eu e a minha esposa tentamos não o forçar nem criamos expectativas. Deixamos que faça o que gosta, como futebol. Normalmente treina vela e futebol duas vezes por semana. Agora nas férias veleja cinco vezes por semana e está a gostar. Deixamo-lo solto. Se quiser vela, daremos apoio, mas não queremos criar qualquer obrigação. O importante é praticar desporto por prazer.

Essa é uma das particularidades da vela? Ir para o mar apenas para tirar prazer do desporto?
Sem dúvida. A vela é um desporto sem idade. Dos cinco aos 80 anos pode-se praticar e há muitos barcos diferentes, seja um pequeno para uma criança ou um enorme com tripulação de 20 pessoas. Dependendo do barco que pode velejar, a vela pode ser acessível. No Brasil diz-se que é um desporto de elite, mas pode-se ir a uma escola e aprender a velejar sem ter um barco próprio. Se quiser, pode comprar um usado a bom preço e velejar por prazer. O que me atraiu na vela foi essa sensação de liberdade: usar a força do vento, interagir com o mar e com as ondas. Isso dá uma sensação muito boa para uma criança. Não há um dia igual ao outro. Um dia chove, noutro faz frio ou calor. A água move-se, há correntes, o vento muda de direcção e intensidade. Todo este dinamismo acrescenta muito para uma pessoa.

Como é que define a vela?
É um desporto muito complexo. Tem que haver um alto teor de adaptabilidade. As condições são sempre variáveis, e não há uma ‘receita de bolo’. A cada dia, a cada local e a cada condição você tem que se adaptar.

Não é a primeira vez que está em Portugal. Encontrou boas condições neste Mundial de 49er e 49er FX?
Conheço muito bem o Clube Vela Atlântico [organizador do Mundial]. Já tinha sido convidado há muitos anos para velejar aqui na classe Laser. Participei em três regatas e ganhei uma. Foram anos maravilhosos, com grandes participações. Era bem mais jovem e estava no meu auge na classe Laser. A estrutura da organização da prova é boa. É uma competição muito séria, no início de um ciclo olímpico, e estão todos à procura de obter um bom resultado. Sendo brasileiro, aqui sinto-me em casa. Tenho amigos, o clima é óptimo e sinto-me muito bem.     

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