Joaquim Gomes da curva ‘à Agostinho’ a rei dos pódios

Actual director da Volta a Portugal venceu a prova rainha por duas vezes e deixou fugir o tri, em 1990, na última etapa.

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Apesar de ser o detentor do recorde de maior número de presenças em pódios na Volta a Portugal (oito no total), competição que venceu por duas vezes, e de actualmente ser o director da prova, Joaquim Gomes ainda tenta evitar as luzes da ribalta com que teve de conviver durante os 18 anos de profissionalismo, em que colecionou 56 vitórias em etapas, três títulos de campeão nacional de contra-relógio e percorreu mais de 600 mil quilómetros em Portugal e no estrangeiro.

Um percurso iniciado aos 19 anos, ao serviço de uma selecção de sub23, em 1985, ano em que revelou exactamente no seu terreno preferido, a etapa rainha, a estaleca dos campeões.

O salto para o Sporting confirmou as suspeitas e em dois anos, com a tropa e um Prémio Abimota pelo meio, esteve muito perto da primeira grande vitória, sonho desfeito pela inexperiência numa curva “à Agostinho”.

"O ciclismo é uma modalidade em que o esforço é levado ao limite e em que ainda é preciso conduzir uma máquina, com todos os riscos inerentes. Mesmo quem vence duas ou três vezes a Volta a Portugal, acaba por reter e recordar primeiro os maus momentos. No meu caso foi uma queda em 1987, quando era virtual camisola amarela, com uma vantagem que me abria excelentes perspectivas de vencer a Volta”, lastima.

“Com 21 anos, liderava o Prémio da Juventude e o da inexperiência. Na descida da Serra fiz uma curva ‘à Agostinho’ que pôs fim à minha prova", recorda com o mesmo nível de dor causado pelos golpes do asfalto no orgulho, embora só a entoação da expressão ‘uma curva à Agostinho’ também possa funcionar como bálsamo.

"O Joaquim Agostinho é um caso à parte, mas começou muito tarde, com 25 anos. Imagino o que teria sido se tivesse começado aos 15 anos. Sem a técnica que se adquire de início, era frequente envolver-se em quedas naquelas curvas mais traiçoeiras: daí a curva ‘à Agostinho’. Naquele dia quis fazer uma curva a 90 quilómetros e não resultou. Ainda hoje, sempre que passo lá percebo que 60 quilómetros já é demasiado. Paguei o preço de uma ambição desmedida e aprendi a lição", admite Joaquim Gomes, refeito e apto a recuperar a vitória de 1989.

"Esse foi o último ano das Voltas de 21 dias. Conquistei a amarela na Senhora da Graça, numa etapa com uma fuga consentida e que já não deu para recuperar a diferença e vencer a tirada. O Cássio Freitas era uma incógnita e foi uma surpresa. Ninguém o conhecia e houve uma luta titânica. No contra-relógio final Matosinhos-Porto havia milhares de pessoas na baixa e ao longo de todo o percurso. A tensão era terrível. Nesses momentos parece que somos assaltados por todos os episódios negativos do passado. A incerteza por não sabermos bem do que seria capaz o Cássio Freitas só piorava as coisas", lembra, ainda meio desconfiado do brasileiro que haveria de confirmar todos os méritos três anos mais tarde.

"Quando consumei a vitória no contra-relógio e na Volta fui invadido por uma alegria que ainda que vencesse mais dez vezes não conseguiria igualar, nem teria o mesmo significado", garante sem subterfúgios.

Infelizmente para Joaquim Gomes, o rei dos pódios só venceria mais uma vez, embora no ano seguinte tivesse partido de amarelo para a última etapa, um crono na Maia, que ainda hoje custa a "engolir".

"Esse foi um ano repleto de situações inexplicáveis. Para além de algumas questões de saúde e da incerteza sobre a participação na Volta, o perfil da prova não era o mais favorável, pois havia poucas chegadas a subir. As etapas de montanha acabavam quase sempre após descidas kamikaze. Ainda assim, consegui a camisola amarela no Fundão. Até à Maia fui perdendo alguma vantagem para o Fernando Carvalho e do contra-relógio prefiro nem falar para não ser acusado de mau perdedor", explica-se, afastando quaisquer dúvidas sobre a categoria do adversário.

"Sobre o Fernando Carvalho posso afirmar uma coisa - e note-se que tive uma carreira longa: mesmo tendo sido colega do Marco Chagas e de ter convivido com outros grandes ciclistas - o Joaquim Agostinho é um caso à parte, obviamente - o Fernando Carvalho foi o que mais me impressionou pela categoria e classe. Infelizmente, como ele próprio sabe, isso não é suficiente. A entrega e o profissionalismo são fundamentais. A fatura que ele pagou foi elevada, pois poderia ter sido dos maiores. Mas quanto a mim era um diamante que nunca foi lapidado. Para azar meu, a única vez que venceu uma volta foi nesse ano".

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