Em Borba, descobre-se a que sabe a Terra com um copo de vinho

Esta sexta e sábado quer-se contar a “história da terra num copo”, passando por pedras e vinhas, para descobrir que, afinal, o “sabor” deste lugar onde vivemos está no vinho mais do que noutro alimento.

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A inicitiva inclui um passeio pelas vinhas da região de Borba, a visita à Adega de Borba e uma prova de vinho Margarida Basto

Almada Negreiros pintou um mapa-mundo de 54 metros quadrados, onde representou os quatro elementos — a água, o fogo, a terra e o ar —, a fauna e a flora de todo o globo. Em cima do pequeno rectângulo à beira mar plantado que é Portugal, pintou um cacho de uvas. É com este exemplo que Carlos Cupeto, um geólogo que é professor na Universidade de Évora, quer mostrar que a “identidade cultural de um povo” também passa pelo vinho. Mais: que a vinha e o vinho revelam “segredos” que as rochas, os solos ou o clima escondem nos seus cachos. Por isso, o Centro de Ciência Viva de Estremoz, a Universidade de Évora e a Adega de Borba querem dar a conhecer a “história da Terra num copo”. Porque “não é preciso ir a Londres ver o Museu de História Natural. Basta ir a Estremoz”, diz o professor universitário. 

Nesta sexta-feira e no sábado querem dar as boas-vindas — a miúdos e graúdos — ao mundo da enogeobiodiversidade. Um palavrão, é certo, mas que promete ser uma experiência que junta ciência, arte e cultura num copo de vinho. Porque tudo isto se bebe em terras alentejanas. 

Para entender a “vinha como arte agrícola”, diz Carlos Cupeto, é preciso perceber que antes do vinho chegar ao copo há um imenso percurso. Há uma vinha enraizada no solo, numa rocha com milhões de anos que se vai alterando e que, ao mesmo tempo, regista e conta-nos a história da Terra. É esta a “identidade d mineralidade” que se sente no vinho e que os distingue, e que alguns entendidos chamam de terroir. 

“Não há nenhum país que tenha uma área vinícola tão grande como Portugal”, admite o geólogo. Um país que tem no vinho “um dos pilares da sua cultura, da tradição”. Por isso, sublinha, é grande a geodiversidade que o caracteriza, o que explica a variedade de castas dos vinhos nacionais. “Dos trezentos e tal concelhos que o país tem, só o Barreiro e a Amadora não têm vinha”, conta o geólogo. Algumas regiões vitivinícolas acabaram desenhadas por fenómenos geológicos que lhes conferiram paisagens únicas. Quanto vale esta história? Certamente mais do que um copo de vinho. 

É por isso que, durante três horas, leigos e especialistas vão poder fazer uma visita às vinhas da região de Borba, na região demarcada do Alentejo, que “tenta” contar a história da Terra guiada pelo vinho. Segue-se depois uma visita à Adega de Borba, fundada em 1955, numa altura em que o sector não assumia o protagonismo que tem hoje na economia regional, às suas caves, e que termina, claro está, com uma prova de vinho. 

Já houve uma visita em Julho, que contou com grande adesão. São podutores de vinho, famílias e jovens que querem conhecer mais sobre de que é feito um copo de vinho. As visitas estão limitadas a 20 pessoas e, diz Carlos Cupeto, já há “listas de espera”. ?

Arte e ciência nas tabernas

Para “valorizar e chamar a atenção das pessoas para a importância cultural que um copo tem” e para que se avive “a memória de saberes ancestrais”, Carlos Cupeto avançou com uma proposta ao Orçamento Participativo Portugal (OPP), um programa do Governo que tem como objectivo promover a participação cidadã através de projectos de âmbito nacional que estão em votação até 10 de Setembro. Chama-se Tabernas do Alentejo e quer valorizar uma região que, “enquanto território vinícola, se distingue positivamente das restantes, em quantidade, qualidade e tradição”, lê-se no texto da proposta. Carlos Cupeto nota que, em 2015, Reguengos de Monsaraz foi a “Cidade Europeia do Vinho” e que o seu autarca é o presidente da Rede Europeia das Cidades do Vinho que inclui cerca de 800 cidades europeias. 

“No Alentejo há muito para fazer, o produto tem que se estruturar como região vinícola, muitos dos [produtores] que estão fora têm que estar dentro”, diz a proposta. Carlos Cupeto realça a necessidade de se “formar pessoas que saibam transmitir a história e conhecimento à volta do vinho”. O projecto prevê a realização de uma “tertúlia itinerante” pelas terras vinícolas do Alentejo para estabelecer “uma rede informal de saberes úteis” que possam contribuir para a “sustentabilidade da região”. A realizar-se, serão ainda lançados um portal e uma publicação bilingue (português e inglês) como “repositórios” de informação sobre a região.

A votação decorre até 10 de Setembro e, caso o projecto avance, vai contar com os apoios da Universidade de Évora, Centro de Ciência Viva de Estremoz e Comissão Vitivinícola da Região do Alentejo e do Diário do Sul. Para continuar a contar a história da Terra pelo vinho, no balcão de uma taberna ou numa adega.     

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