Tunísia aprova lei histórica contra a violência doméstica

Não havia ainda no país uma lei que protegesse as tunisinas deste tipo de violência, que agora passa a ser crime público.

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Com a nova lei resolve-se uma luta antiga das mulheres no país Anis Mili/Reuters

No Parlamento, houve aplausos e apupos. Nas ruas de Tunes, as tunisinas festejaram. A Tunísia, berço das revoltas que em 2011 varreram parte do mundo árabe, acaba de dar um passo histórico no avanço dos direitos das mulheres com a aprovação de uma lei para prevenir e castigar “toda e qualquer violência contra as mulheres”.

“A nova lei tunisina dá às mulheres as medidas necessárias para procurarem protecção de actos de violência cometidos pelos seus maridos, familiares ou outros”, diz num comunicado Amna Guellali, directora da Human Rights Watch para a Tunísia. Agora, nota a responsável desta ONG, o importante é que “o Governo financie e apoie as instituições para que esta lei se transforme em protecção genuína”.

A Tunísia ainda não tinha uma lei específica que lidasse com violência doméstica – isto apesar dos dados assustadores, como os 47% de tunisinas que em 2010 diziam ter sofrido algum tipo de violência doméstica ao longo da vida. Com a nova lei resolve-se ainda uma luta antiga das mulheres no país: a revogação do artigo 227 do Código Penal, que permitia ao violador de uma menor casar com a vítima para evitar a prisão.

“No plano físico e psicológico, ela sente-se sempre culpada ao estar com um homem que não ama. A anulação desta lei é o que mais importa”, diz à AFP Noura, professora de caligrafia de 37 anos. A partir de agora, quem tiver relações sexuais com menores de 16 anos pode enfrentar 16 a 20 anos de prisão (ou até prisão perpétua, dependendo das características do crime).

A lei define violência contra mulheres como “qualquer agressão física, moral, sexual ou económica baseada na discriminação entre os dois sexos e resultante em danos ou sofrimentos físicos, sexuais, psicológicos ou económicos, incluindo ameaças de agressão, pressão ou privação de direitos e liberdades, tanto na vida pública como na privada”.

A lei, que incluiu os elementos fundamentais da definição de violência doméstica recomendados no Manual da ONU para Legislação sobre Violência contra as Mulheres, introduz novos crimes e aumenta as sanções para várias formas de violência cometidas na família. Também criminaliza o assédio sexual verbal nos espaços públicos – muito frequente, passa a ser punido com multas de 1000 dinares (350 euros) –, assédio sexual de qualquer tipo na rua ou no trabalho, assim como prevê multas para empregadores que descriminem intencionalmente mulheres em termos de salários.

Para que o novo quadro legal possa ser aplicado, e numa tentativa de apostar na prevenção, a legislação votada pelos deputados inclui programas para treinar pessoal médico a detectar e prevenir violência doméstica, o mesmo acontecendo com os educadores Para além de conter um pacote de apoio (legal, psicológico e médico) para as vítimas, também permite às mulheres pedirem aos tribunais para imporem aos seus abusadores diferentes medidas sem precisarem de pedir o divórcio ou de os acusar de um crime. Entre outras consequências, o abusador pode ser obrigado a deixar a casa de família ou impedido de contactar a vítima.

“Ao promulgarem esta lei, as autoridades tunisinas mostram-se comprometidas com os direitos das mulheres e estão a impor um padrão que outros fariam bem em seguir”, defende Amna Guellali, da Human Rights Watch.

No mundo árabe, poucos são os países com leis sobre violência doméstica. A Mauritânia é um dos poucos estados árabes onde se proíbe a violência doméstica e a violação no casamento. Na Argélia, em 2012 foram condenados os primeiros casos de assédio sexual. O Líbano e a Arábia Saudita (país onde as mulheres são tratadas em quase tudo como cidadãos de segunda) têm desde 2015 leis contra a violência doméstica.

“Estamos muito contentes. Contar com uma lei que castiga toda a violência, incluindo a política, económica e psicológica é um progresso enorme”, diz ao El País Monia Ben Jamai, presidente da Associação Tunisina das Mulheres Democratas. “A lei obriga o Estado a lutar contra a violência doméstica e a proporcionar refúgio às mulheres maltratadas”, continua a activista. “A partir de agora, mesmo que a mulher retire a queixa, o que acontece muitas vezes, a procuradoria deverá prosseguir com o caso”.

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