Na Noruega, um estudo revela a dimensão dos problemas de saúde mental no futebol

Um em cada quatro futebolistas noruegueses de topo já sofreu de ansiedade e depressão. Thorstein Andersen Aase, que abandonou o futebol profissional, pede maior atenção ao indivíduo, em vez de um foco excessivo dos clubes no colectivo.

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Reuters/ADAM HOLT

O tema da saúde mental no futebol voltou esta semana a estar debaixo dos holofotes depois de um estudo realizado na Noruega ter demonstrado que quatro em cada dez jogadores de topo do país nórdico sofriam de ansiedade e depressão.

A NISO (Federação Norueguesa de Jogadores Profissionais de Futebol) participou no inquérito conduzido em 2015 pela FIFPro (Federação Internacional de Jogadores Profissionais de Futebol), e os resultados chocaram o dirigente norueguês Joachim Walltin, que considerou estar-se perante de “uma questão de vida ou morte”.

“Penso que poderíamos ajudar muitos [jogadores] a recuperar se pudéssemos falar com eles sobre isso, e se eles pudessem receber ajuda num estádio inicial”, disse Walltin, citado pela Reuters.

Vários jogadores de destaque têm vindo a pronunciar-se publicamente sobre o assunto, incluindo o ex-internacional inglês Steven Caulker, do Queens Park Rangers, que em Junho falou sobre a sua luta contra a doença mental e os vícios.

O inquérito norueguês revela que 43,8% dos futebolistas sondados admitem sofrer de ansiedade e depressão, que perto de 25% têm problemas de sono e que cerca de 7% têm uma relação problemática com o álcool.

Estes são sintomas familiares para Thorstein Andersen Aase, que virou as costas ao futebol profissional aos vinte e poucos anos, após sofrer uma crise prolongada de ansiedade em torno da sua performance em campo.

“Foi uma época em que as falhas na minha motivação progrediram para sintomas que poderiam ser de depressão e angústia, mas que desapareceram assim que parei de jogar”, disse à Reuters numa entrevista telefónica.

“No dia seguinte [ao abandono do futebol profissional], dormi como um bebé, e já não dormia bem há um ano e meio”.

Falta de preparação mental

Largamente considerado como um dos maiores jovens talentos do futebol norueguês, Aase chegara cedo ao primeiro escalão nacional no Stabaek, mas apesar de se sentir técnica e tacticamente preparado, não estava mentalmente pronto para o desafio.

“Chegar ao futebol sénior é duro. Fazer essa mudança aos 16, 17, 18, 19 anos é exigente e muitas vezes faz-se sem que os clubes tenham competência para ajudar”, disse.

“Na minha experiência, tudo depende das circunstâncias. Sempre fui bem acompanhado socialmente, mas tinha outras necessidades pessoais que não foram correspondidas porque o clube não sabia. Nunca foram avaliadas”, afirmou à Reuters.

Agora, aos 25 anos, Aase defende que os clubes devem focar-se mais no bem-estar psicológico dos jogadores, em vez de se concentrarem apenas na saúde física.

“Há uma teoria na selecção desportiva, que serve de base mas que os estudos demonstram que está errada, de que se fores seleccionado pelo teu talento técnico e táctico, então também tens um talento psicológico, e isso não é necessariamente verdade”, diz.

Preocupado com a possibilidade de ser afastado pelos treinadores se falasse sobre os seus problemas psicológicos, Aase sofreu em silêncio até acabar por abandonar o Stabaek, passando a alinhar um clube da terceira divisão norueguesa, o KFUM, em Oslo, onde agora joga com amigos, tendo redescoberto a paixão pela modalidade.

Um alívio no adeus à carreira

Muitos jogadores teriam considerado que o abandono do sonho de uma carreira profissional de futebol seria uma desilusão, mas não foi o que Aase sentiu.

“Sinto-me aliviado, porque [o futebol profissional] não serve para mim”, explicou.

Aase, que continua a ser amigo de vários jogadores do primeiro escalão do futebol norueguês, incluindo atletas da selecção nacional, cursa agora Psicologia. Defende que a chave para ajudar os jovens talentos do futebol é cuidar das necessidades pessoais dos atletas, em vez de olhar apenas para as necessidades do colectivo.

“Não estou a dizer que devamos permitir que todos façam os que lhes apetecer, mas ainda estamos muito longe de um meio-termo em que possamos adaptar o ambiente aos indivíduos, e assim ajudá-los”, disse.