Um verbo para a esquerda conjugar: construir

O que se passou na reforma das florestas basta para demonstrar o quão difícil vai ser para a esquerda conjugar "construir" no presente do indicativo e não no futuro ou no condicional.

Eram 58 páginas de votações e, claro, prolongaram-se pela noite dentro. Os deputados fizeram ontem a tradicional corrida de fundo, para despachar todas as leis antes das férias. O que ficou claro, porém, nesta recta final, é que o pior está para vir. Para esta maioria, mas sobretudo para o Governo e o PS.

Quando o Governo é de minoria, o cenário é sempre de negociação intensa. Mas quando o cenário é de “geringonça”, é tudo ainda mais difícil. Vamos ignorar as “cascas de banana” que a direita tentou colocar no caminho da maioria (como a obrigação de as offshores terem de passar pelo fisco para serem retiradas da lista negra, ou mesmo o voto para testar o perdão à banca). Para ultrapassar isso, a esquerda já provou que lhe basta um argumento: se é proposto pela direita, é provocação.

O problema é quando a esquerda tem de conjugar outro verbo: nem provocar, nem reverter, antes construir. E o que se passou na reforma das florestas basta para demonstrar o quão difícil vai ser para a esquerda o conjugar no presente do indicativo e não no futuro ou no condicional. Nestes dias, não foi fácil. O PS quis chegar a um acordo à esquerda. Mas quando negociou com o Bloco viu-se forçado a atirar dois diplomas para depois das férias. Como meia reforma é melhor do que reforma nenhuma, os socialistas voltaram-se para o PCP (neste tango, são precisos três para dançar). Mas os comunistas colocaram reservas. E nem uma madrugada na comissão foi suficiente para chegar a consenso. Ontem, o Bloco recuou para permitir a aprovação do que restava. Mas o acordo implicou que António Costa remetesse o tema, o banco de terras do Estado, para nova revisão daqui a um ano. O que aconteceu com a reforma das florestas é apenas um indicador do que aí vem na segunda metade da legislatura. Não há ninguém à esquerda que o ignore: o ciclo político mudou depois de Pedrógão, de Tancos e do “Galpgate”. E esta maioria vai ter de se adaptar para se manter à tona. Já não vão bastar as reversões (até porque já são poucas). Já nem vão ser suficientes as contas certas. A partir daqui, a agenda de esquerda tem de passar pelas reformas, começando pelas mais difíceis de todas, as dos serviços públicos — que é onde cabem as PPP na Saúde, o papel das entidades não públicas na Educação, as reformas na economia, nas leis laborais, as prioridades do investimento público. E, sim, também as florestas.

Em tudo isto há ideologia. Em pouco há sintonia. Voltamos à conjugação do verbo, que ficará para depois do Verão: a esquerda sabe construir?

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