Histórias do Tour: Betancur, o "gordinho" do pelotão

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Há uma conta no Twitter – La Grosse Boucle – que tem em Carlos Betancur o seu alvo preferencial. Mas as piadas sobre o excesso de peso do ciclista colombiano não se esgotam aqui. Nas redes sociais, proliferam as montagens, os memes que usam e abusam de imagens da barriga roliça do corredor da Movistar (muitas vezes associadas a uma famosa cadeia de hambúrgueres). O humor denuncia aquilo que o próprio sabe. "Para mim, é normal aumentar de peso. Engordo e emagreço com facilidade. Nunca me incomodou muito”.

Após um início da carreira fulgurante – foi vice-campeão do Mundo de sub-23 (2009), ganhou o Giro para jovens (2010), acumulou vitórias e resultados de destaque em Itália, ainda como ciclista profissional da Acqua&Sapone, venceu a juventude no Giro2013, ao ser quinto na geral, subiu ao pódio na Flèche Wallone (2013) e triunfou no Paris-Nice (2014) -, Bananito parecia acabado para o ciclismo. Quando a Movistar, a equipa número um do pelotão, anunciou a sua contratação, o choque foi geral.  Hoje, podemos dizer que Betancur, de 27 anos, está no Tour, porque Eusebio Unzué acreditou nele quando mais ninguém o fez.

Temos de dar um passo atrás para perceber o porquê de esta ser a edição de estreia de Betancur na Volta a França. O talento sempre esteve lá, a dedicação ao ciclismo é que não. A espiral descendente do colombiano acentuou-se depois da sua vitória no Paris- Nice. “Levávamo-lo às corridas porque se chamava Betancur, mas foram três anos da mesma história”, explicou ao L’Équipe o director de AG2R, Julien Jurdie, depois de consumada a difícil separação.

Completadas as corridas europeias, o colombiano regressava a Bolívar e simplesmente desaparecia. Ficava incontactável para os elementos da equipa, e até para o seu treinador de sempre. Perdia bilhetes de avião. E, quando reaparecia na Europa, não estava em condições de correr – um subterfúgio para evitar chamar-lhe gordo. “É o único do plantel que só vemos umas quantas vezes por ano. Está sempre na Colômbia. Umas vezes, vem à Europa, corre, faz os seus resultados e regressa a casa. Outras, chega completamente fora de forma, com excesso de peso, corre sem glória e volta. É um corredor hors de logique, cujo funcionamento não compreendemos”, assumiu ao El Español o então líder da AG2R, o francês Jean-Christophe Péraud, segundo no Tour2014.

A gota de água que colmou o vaso da paciência da AG2R, a equipa que o contratou em 2013, foi o Giro2015. Candidato à geral, apresentou-se com quilos a mais e foi apenas 20.º - um cenário que os franceses já tinham presenciado na Vuelta2014. Não voltou a completar qualquer prova pela formação gaulesa. Em novembro desse ano, Unzué, um dos diretores desportivos mais experientes e consagrados do pelotão, apresentou-o como reforço. “É um desafio que creio que Betancur vai superar”.

Quem o viu na primeira concentração da sua nova equipa diria que não – apareceu com quase duas dezenas de quilos a mais. No entanto, a época passada deu-lhe razão. O talentoso e fugidio colombiano – antipático e mal-encarado, foge do contacto com adeptos e jornalistas – regressou aos triunfos, somando etapas nas Voltas a Castela e Leão e às Astúrias. Este ano, o seu primeiro como corredor radicado na Europa, renasceu, finalmente para a modalidade, destacando-se nas Hammer Series e na Volta à Suíça. E pediu a Unzué para estar no Tour. A aposta estava ganha e o diretor desportivo da Movistar revelou ao El País o segredo deste milagre: “O espelho no qual Betancur se viu refletido foi o [Alejandro] Valverde, alguém que admira e que um dia lhe disse: ‘Carlos, no dia em que fores capaz de fazer as coisas bem, ninguém será capaz de travar-te”.

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