O meu dicionário de moda: Observações pós-festival e Power Dressing

Não esperem encontrar por aqui o mais rigoroso dos dicionários de moda

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MIguel Manso

Observações pós-festival

Em processo de ressurreição depois de três dias de NOS Alive (gosto de pensar que ainda tenho 20 anos e que aguento tudo mas a velhice – essa vil condição – tem vindo a provar-me que é mais forte do que eu, a mete-nojo), pareceu-me interessante partilhar as minhas conclusões sobre o que andam a vestir os festivaleiros, concretamente as miúdas (enquanto público) versus os donos disto tudo (enquanto músicos).

Nas miúdas incluo jovens do sexo feminino, com idades entre os 12 e os 20/25 anos (mais coisa, menos coisa), e a impressão com que fico depois de vê-las aos magotes no NOS é a mesma com que fico sempre que vejo um grupo de catraias que vão para ou vêm da escola: parecem-me todas iguais, uma espécie de produção em série com um ou outro (pequeno) detalhe diferenciador. Usam calções de ganga curtíssimos, t-shirt ou top e, nos pés, botins ou sapatilhas (concretamente as Stan Smith, da Adidas, logo seguidas das boas e velhinhas All Star). Excetuando uma ou outra ave rara mais friorenta, que usa casaco de ganga, elas não precisam de casacos e isso compreendo bem, porque com a mesma idade também me sentia um mini-forno portátil.

Grande parte das miúdas maquilha-se a sério, muito mais do que eu para uma ocasião especial, dando a impressão de dominar totalmente a arte de camuflar imperfeições e conhecer os segredos para uma makeup perfeita desde sempre.

Faz-me uma certa confusão esta falta de identidade própria, este sentimento de que para pertencer a um grupo ou comunidade é necessário ser-se igual. Não é.

Aliás, do que vou escrevendo por aqui penso ser fácil descortinar que me agradam pessoas autónomas, que pensam e agem de acordo com a sua cabeça, ao invés de seguirem a carneirada. Por isso, foi com alegria e alguma fé recuperada que constatei que há uma nova vaga de músicos que é original de uma forma deliciosamente refrescante e insuspeita: são miúdos (alguns bem novinhos) cheios de pinta, que aparentam não ligar nada ao que vestem (mas que, parece-me, se preocupam qualquer coisa), que adotaram os anos 70 e 80 como modelo, não faltando referências como o bigode e as camisas de seda com padrões usados outrora pelos nossos pais.

Acresce que a maioria tem ar de nerd (em bom), o que me levou a recordar a teoria de um amigo segundo a qual os nerds, na fase em que são mais gozados (ou seja, desde o ensino básico até ao final do secundário), ignoram os comentários depreciativos e respondem num diálogo imaginário: goza agora, cabrão, que quando for grande gozo-te eu. Já eu gosto de lhes chamar os donos disto tudo, porque acredito que o futuro é deles: de jovens inteligentes, que fazem coisas e que têm a ousadia de assumir as suas diferenças, exteriores ou interiores (a meu ver indissociáveis). Porque, a longo prazo, são essas diferenças que os vão levar mais longe.

Power Dressing

É um estilo de vestuário nascido no final dos anos 70 e que se desenvolveu nos anos 80, especialmente nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, onde as mulheres começaram a alcançar posições de chefia em grandes empresas.

As roupas deviam refletir a competência das trabalhadoras, funcionando como uma demonstração do seu poder e autoridade, sendo os tailleurs femininos com grandes chumaços e cores fortes o símbolo perfeito desse estilo.

No fundo, as mulheres deviam parecer-se como homens, na forma de vestir, para, assim, demonstrarem ter capacidades idênticas às suas.

Poder-se-ia pensar que este tipo de atitude ou preconceito está ultrapassado, que é coisa do século passado, que a sociedade evoluiu, blá blá blá, blá blá blá. Mas será que alguém acredita nisso? Não me parece.

Tomemos por exemplo três mulheres muito poderosas: o que é que têm em comum Angela Merkel, Hillary Clinton e Theresa May, para além de se moverem em círculos políticos? Pois é, são adeptas do Power Dressing. Talvez de forma mais subtil e suave do que há uns anos, mas na esfera pública, pelo menos, apresentam-se (quase?) sempre com outfits masculinos.

Sem querer adotar um qualquer tipo de discurso feminista, mas analisando tão só a realidade, penso não existirem grandes dúvidas de que as desigualdades homens-mulheres são notórias e não tendem a desaparecer a curto prazo.

E se em muitas situações nós, mulheres, não temos forma de acabar com essas desigualdades (continuamos a viver numa sociedade preconceituosa e machista), outras há em que somos as culpadas pela sua manutenção.

No caso de Angela Merkel, Hillary Clinton e Theresa May (entre tantas outras), não serão elas culpadas por, de forma deliberada, usarem looks masculinos para, assim, ascenderem mais facilmente a cargos de poder?

Bem sei que não somos elas, que não podemos fazer nada quanto a isso, mas será que o fazemos no dia-a-dia, quando temos essa possibilidade?

Queixamo-nos tantas vezes de situações flagrantes e, no entanto, continuamos a depender dos homens quando dá jeito, a gostar que nos abram a porta (caso contrário são uns mal-educadões), a deixá-los conduzir na maior parte das saídas (que isso é coisa da gajo), a permitir que paguem o jantar na primeira saída (nada a ver com machismo, mas sim com forretice), a incentivá-los a mudarem o nosso pneu furado (contra mim falo, se tiver um homem disponível para o efeito uso-o sem pensar), tudo isto misturado numa condição de feminismo mas pouco, doseado de forma moderada, que os radicalismos nunca fizeram bem a ninguém.

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