Histórias do Tour: A simplicidade do criador de animais

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Thibaut Pinot Reuters/BENOIT TESSIER

Quando o pelotão serpentear nesta quarta-feira até à Planche des Belles Filles, palco da primeira chegada em alto desta edição da Volta a França, Thibaut Pinot vai respirar ares familiares e, quem sabe, sentir-se, ainda que tenuemente, em casa. "É sempre difícil partir", lamentou, com um quê de fatalismo, ao Libération, antes de rumar ao quarto lugar do Giro 2017. Avesso às idiossincrasias da popularidade auferida desde que se tornou herói nacional, ao ser o melhor jovem do Tour 2012, terceiro classificado no Tour 2014 e vencedor no Alpe D’Huez em 2015, o ciclista da FDJ mantém-se impoluto num pelotão onde a ânsia de protagonismo, a ostentação de riqueza ou a vaidade correm à solta.

Nascido em Mélisey, no coração dos Vosges, há 27 anos, o francês nunca quis abandonar as suas raízes. No terreno que herdou dos avós, ergueu uma casa revestida a madeira, cultivou um jardim, construiu uma vida sem luxos, junto da namorada, da família, dos amigos… e dos seus animais. Sim, leu bem. Além de ciclista, Thibaut Pinot é também criador de animais. No seu diversificado curral, convivem pacificamente oito cabras, 12 carneiros e ovelhas, galinhas, dois gatos. Só Thibaut Cacao, o lama que durante dias semeou o terror entre as cabras e que foi uma partida-prenda do colega Arthur Vichot, não encontrou o seu lar ali.

“[Os animais] são o seu equilíbrio, a sua vida. O Thibaut preenche a cabeça de outro modo. Os seus bichos dão-lhe preocupações, mas são preocupações sãs. Quando está nas corridas, telefona ao pai antes da partida para as etapas e pergunta-lhe se ele tratou bem dos carneiros”, detalhou Vichot ao Libération. O diário francês, responsável pelo relato desta deliciosa história, conta que Pinot comprou um atrelado para transportar aqueles que aparentam ser os seus favoritos no curral. E que, obviamente, é incapaz de matar qualquer um dos seus bichinhos. “Isso é que não! Amo-os muito para o fazer. Acontece o mesmo no meu lago [onde pesca nos dias de descanso]. Liberto os peixes que apanho”.

De tempos a tempos, interrompe o absentismo que se autoimpôs nas redes sociais – nem sempre foi assim, mas as fortes críticas de que foi alvo em fóruns de Internet no Tour 2013 e que o destroçaram levaram-no a desligar todos os aparelhos, até a televisão, onde só vê desporto e documentários "animalescos" – para partilhar vídeos denunciadores da crueldade sobre os animais. “Ele sempre cresceu rodeado deles e comprou estes carneiros antes da casa”, acrescentou a mãe Marie-Jeanne.

Talvez tenham sido os animais ou o amor que emana por eles, a cortar-lhe as asas para voos maiores. Profissional desde 2010, sempre na FDJ, o francês que tem 20 vitórias no currículo, três das quais em etapas em grandes Voltas (em 2012 e 2015 no Tour, este ano no Giro) e um título de campeão nacional de contra-relógio (2016), recusou um convite da toda-poderosa Sky, já que uma das cláusulas do contrato exigia que se instalasse em Nice. O apego à terra e aos seus falou sempre mais alto para Pinot, que abandonou o sonho de ser paisagista para não se ter de mudar para uma cidade 40 quilómetros mais ao lado.

Feliz na sua casa e com os seus animais, o tímido e discreto ciclista francês, que em Maio de 2016 recusou encontrar-se com o então ministro Emmanuel Macron, um grande apaixonado pela modalidade, devido ao desconforto que lhe provoca o mediatismo inerente aos momentos protocolares, nem hesita ao explicar o porquê de tão grande amor. “Talvez, porque também seja um [animal]”. Segundo Jean-Pierre Douçot, seu diretor no CC Etupes, o clube em que cresceu enquanto júnior, a afirmação de Pinot não andará longe da realidade: “Ele parece-se com os animais. Mexe os olhos muito depressa, em todos os sentidos. Ele analisa, observa, desconfia. Ele tem a inteligência da terra e das estações. Ele conhece o ritmo do tempo, o valor do esforço, o preço dos homens e das coisas”.

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