Entre a dança tirolesa e uma rajada de perguntas para quase adultos

De 14 a 23 de Setembro, o Festival Materiais Diversos despede-se da sua vida anual com espectáculos de Alessandro Sciarroni, e Ana Borralho e João Galante. Daqui para a frente, a presença no território será mais intensa ao longo de todo o ano. E a partir da décima edição, em 2019, torna-se bienal.

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A chegada de Elisabete Paiva ao Festival Materiais Diversos, em 2015, aconteceu na sequência da saída de Tiago Guedes para assumir a direcção do Teatro Municipal do Porto. Logo nesse primeiro ano de programação, quando a equipa aguardava na expectativa as transformações que a sua liderança traria, tentou programar o espectáculo Folk-S, do coreógrafo italiano Alessandro Sciarroni. Só o conseguiu agora, na sua terceira edição enquanto directora artística do festival que leva as artes performativas até Minde, Alcanena e Cartaxo, na derradeira edição do Materiais Diversos (14 a 23 de Setembro) enquanto evento anual. A partir da décima, prevista para 2019, o festival passará a realizar-se com uma periodicidade bienal – essa é, afinal, uma das grandes transformações trazidas por Elisabete Paiva, contrabalançada por uma presença cada mais regular ao longo do ano no território do Médio Tejo.

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A chegada de Elisabete Paiva ao Festival Materiais Diversos, em 2015, aconteceu na sequência da saída de Tiago Guedes para assumir a direcção do Teatro Municipal do Porto. Logo nesse primeiro ano de programação, quando a equipa aguardava na expectativa as transformações que a sua liderança traria, tentou programar o espectáculo Folk-S, do coreógrafo italiano Alessandro Sciarroni. Só o conseguiu agora, na sua terceira edição enquanto directora artística do festival que leva as artes performativas até Minde, Alcanena e Cartaxo, na derradeira edição do Materiais Diversos (14 a 23 de Setembro) enquanto evento anual. A partir da décima, prevista para 2019, o festival passará a realizar-se com uma periodicidade bienal – essa é, afinal, uma das grandes transformações trazidas por Elisabete Paiva, contrabalançada por uma presença cada mais regular ao longo do ano no território do Médio Tejo.

Tal alteração de fôlego na realização do festival é, portanto, compensada por aquilo a que Elisabete Paiva chama “a camada subterrânea”, que pretende ir além da ideia de festa que um festival traz consigo, e cuja acção é demasiado limitada no tempo. “Uma festa é sempre curta, sabe a pouco, deixa uma marca boa na memória mas dura dez dias”, comenta. A partir da próxima edição, a programadora pretende levar mais a fundo o mote de 2017, “transacções e transformações”, para que “os artistas possam acompanhar o território durante mais tempo”, potenciando “uma reflexão mais profunda sobre algumas questões-chave”. “Estou muito interessada em trazer os artistas para mais perto da curadoria e dar-lhes mais espaço no festival, [a partir] de uma linha de provocação ou de pesquisa que eu possa traçar. Para que eles sintam que são criadores não só do espectáculo mas também de uma lógica de encontro.”

As bases para esse novo paradigma começaram a ser lançadas este ano, com a presença de Sílvia Real e Margarida Mestre em formação contínua no território e várias oficinas dirigidas pela coreógrafa Aldara Bizarro. Este trabalho desenvolvido em proximidade e com a comunidade implica, desde o início do Materiais Diversos, “um ritual" sempre reiterado: não há espectáculo que não tenha uma pequena conversa a seguir. “E é clara a evolução na desinibição e até na produção de discurso deste público face aos objectos mais estranhos”, nota Elisabete. “Este trabalho pedagógico é de formação de públicos, de lhes dar autonomia crítica para ver um espectáculo de dança ou teatro contemporâneo em que não esperam só ver-se em palco, mas também ver outros em que às vezes não se reconhecem directamente, e em que identificam questões importantes.”

O centro do festival

Cada edição do Materiais Diversos é, por isso, sempre pensada em função daquilo que cada espectáculo pode dizer às populações a que se dirige. São escolhas que Elisabete Paiva vai afinando à medida que vai conhecendo melhor a comunidade local e vão crescendo em conjunto. Este ano, dois espectáculos são assumidos pela directora artística como centro nevrálgico da programação: o já referido Folk-S e Gatilho da Felicidade, regresso da dupla Ana Borralho e João Galante ao festival, depois do impacto que teve a sua apresentação de Atlas, em 2012.

Em Folk-S (16 de Setembro, Centro Cultural do Cartaxo), Alessandro Sciarroni pega no Schuhplattler, uma dança tradicional do Tirol, e desloca-a para o contexto da dança contemporânea a fim de nos mostrar que “as remanescências desses reportórios tradicionais, ancestrais e quase rituais, fora do seu contexto original, são muito mais do que uma persistência folclórica”, descreve. A Elisabete interessa ainda perceber como será esta dança tirolesa, com algumas semelhanças ao fandango, recebida nesta região.

Gatilho da Felicidade (14 de Setembro, Cineteatro São Pedro, Alcanena), que abrirá o festival, pretende explorar “um gatilho com a comunidade jovem do território que o festival estabeleceu desde a primeira hora”. “Numa zona bastante envelhecida e muito industrializada, estudar artes ou viver a cultura contemporânea não é para muitos daqueles jovens uma questão primeira”, explica a directora artística. Daí que a escolha da peça de Ana Borralho e João Galante, dirigida à faixa etária que transita da adolescência para a idade adulta, período de grandes e determinantes decisões de vida, chame pela participação dessa população específica. Depois de uma semana de ensaios, os jovens são chamados ao palco para responder a perguntas num esquema de jogo aleatório que os obriga a responder com verdade a questões como “O que é para ti a felicidade?”, “Quando foi a última vez que choraste?” ou “Qual foi a última app que te fez feliz?”

O Materiais Diversos acolhe ainda novas criações de Filipe Pereira e Teresa Silva, e de Rita Natálio e João dos Santos Martins, o espectáculo que o Teatro do Vestido dedicou ao mundo dos camionistas (Viajantes Solitários), peças-sensação dos promissores Marco da Silva Ferreira (Brother) e Lígia Soares (Romance), o espantoso encontro entre dança e arquitectura que Radouan Mriziga desenha em 55 e propostas de Margarida Mestre e Teatro do Silêncio.