Startups dedicadas às ciências da vida duplicaram em cinco anos

A bioindústria portuguesa andou em contraciclo na última década. Quando tudo estava em crise no país, o sector das pequenas empresas que tentam transformar o conhecimento saído das universidades num negócio exibia uma saúde invejável.

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Muitas startups das ciências da vida estão no Parque Tecnológico Biocant, em Cantanhede Carla Carvalho Tomás

Nos últimos anos, muitos cientistas arregaçaram as mangas da bata de laboratório e criaram pequenas empresas para tentar inventar algo que, um dia, pode ser um produto. Debaixo do imenso chapéu da área das ciências da vida, cabem projectos que vão desde novas moléculas para medicamentos até ferramentas de software para gestão clínica, passando por testes genéticos e muito mais. Entre 2009 e 2014 o número de pequenas empresas na área da saúde e biotecnologia mais que duplicou, segundo um levantamento feito pela Portugal Ventures, sociedade de capital de risco pública. No final de 2015, tinham sido criadas 72 startups desde 1989 nesta área e, apesar dos riscos envolvidos, 68 mantinham-se activas.

Por vezes, são criadas só para formalizar um registo de uma patente de um projecto que foi desenvolvido antes mas muitas vezes são planos que começam ali, numa pequena empresa onde se vai tentar criar algo novo a partir de uma ideia que geralmente nasce do trabalho nas universidades. Ricardo Perdigão, analista de investimentos da Portugal Ventures, quis ter uma “visão do ecossistema das ciências da vida” em Portugal, analisou os dados, e concluiu que, apesar dos riscos envolvidos, esta comunidade está a crescer de forma evidente.

O relatório do levantamento refere que, até ao final de 2015, tinham sido criadas 72 startups em Portugal na área das ciências da vida. “Hoje já serão mais de 80”, estima Ricardo Perdigão, arriscando que 2016 “foi um ano bom”. Os grandes “saltos” aconteceram sempre que surgiu um programa de apoio financeiro a estas iniciativas. “Em 2013, por exemplo, quando surgiu a Portugal Ventures houve 14 novas empresas, nem todas directamente financiadas por esta sociedade de capital de risco, mas as pessoas perceberam que havia um novo organismo público a financiar este tipo de projectos e ficaram mais motivadas”, constata o analista. Entre 2009 e 2014 o número de startups nesta área passou de 29 para 66.

“Nos últimos dez anos, Portugal demonstrou uma grande imunidade à crise neste sector, que aumentou postos de trabalho e andou em contraciclo com tudo o que se estava a passar no país”, acrescenta Filipe Assoreira, presidente da Associação Portuguesa de Bioindústrias (P-Bio). Esta associação também fez um estudo em 2016 sobre esta área (que deixou de fora só as empresas que se dedicam ao desenvolvimento de software para gestão clínica) e, entre outros indicadores da boa saúde do sector, conclui que as 65 empresas em actividade em 2014 empregavam 478 pessoas, registando-se ainda que o volume de negócios deste sector nesse ano foi de 30,5 milhões de euros (quatro vezes mais do que em 2006).

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Este é um negócio de risco. Há o risco financeiro que pode “matar” um bom projecto só por falta de dinheiro, sobretudo quando falamos de investigações complexas que exigem experiências com animais e muito tempo numa área ligada à saúde pública que é altamente regulada. E há também o risco tecnológico que se esconde atrás da “invenção” de alguma coisa que pode simplesmente não resultar. “Segundo os dados internacionais, nesta área das ciências da vida só uma em cada grupo de dez empresas é que se torna um sucesso grande. Depois temos duas ou três que sobrevivem e o resto fecha”, refere Ricardo Perdigão.

“O que se faz nesta área é desafiar o impossível com o possível e com o que sabemos”, diz Filipe Assoreira, que acrescenta que “a probabilidade de falhar é de 99%”. O grande sucesso é o resultado de um longo caminho com várias vitórias e chegam os dedos de uma mão para contar os projectos que realmente têm um êxito comprovado no mercado mundial.

A Portugal Ventures não é a única sociedade de capital de risco a investir nas ciências da saúde, mas será uma das que têm mais peso, juntamente com a Caixa Capital da Caixa Geral de Depósitos, apostando actualmente em 19 empresas desta área num investimento de cerca de 40 milhões de euros no total e que empregam um total de 60 doutorados.

Exemplos?

A lista feita pela Portugal Ventures sobre o actual “ecossistema das ciências da vida”, nas palavras de Ricardo Perdigão, inclui 72 projectos diferentes que se “arrumam” em quatro áreas: as empresas que desenvolvem produtos terapêuticos, as que apostam na saúde digital, outras que inovam nos dispositivos médicos e, por fim, as que se dedicam ao campo dos diagnósticos. A BSIM2, por exemplo, está a desenvolver o primeiro medicamento português feito por computador. Foi fundada em 2011 por Carlos Simões e Rui Brito, dois investigadores de Coimbra, e este ano conseguiu o apoio da Portugal Ventures para desenvolver uma nova família de produtos contra a paramiloidose.

Juntando as pontas dos equipamentos, diagnóstico e oncologia a PETsys Electronics criou um dispositivo que é integrado nas máquinas de PET (tomografias por emissão de positrões) e que promete uma resolução dez vezes maior do que a das actuais PET, permitindo detectar tumores com um milímetro num exame com níveis de radiação bastante inferiores aos actuais.

Já a Immunethep é uma spin-off da Universidade do Porto que já foi notícia por causa do seu primeiro produto que tem por trás mais de 30 anos de investigação: uma vacina para proteger recém-nascidos de infecções bacterianas. Depois há pequenas empresas que começam sozinhas e acabam por ser integradas num projecto maior, como foi o caso recente da Alfama, que inventou moléculas libertadoras de monóxido de carbono para terapias de doenças crónicas e agudas, que se fundiu com a Proterris, uma grande empresa de Boston (EUA). “Esse também é o motor desta nova indústria. Os grandes, com muito dinheiro, adquirem os mais pequenos”, nota o analista da Portugal Ventures.

São apenas alguns exemplos de um diversificado pequeno novo mundo de sucesso. O que falta agora? Experiência, responde Ricardo Perdigão. “Aqui todos os empreendedores são de primeira geração. À medida que for maturando, a eficácia do ecossistema melhora.” Sobre a receita para conseguir o apoio de capital, Ricardo Perdigão simplifica: “Basta uma boa ideia.”

Já Filipe Assoreira avisa que “uma boa ideia não chega”. “É preciso um conceito bem desenvolvido que convença o investidor, um financiamento ajustado ao projecto e uma boa equipa que o execute.” Sobre o futuro após este exuberante crescimento do sector, o presidente da P-Bio está optimista. “O que não falta é espaço para crescer ainda mais.”

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