Portugal pode poupar "mais 100 milhões de euros por ano" com genéricos

Presidente da Associação Portuguesa de Medicamentos Genéricos e Biossimilares sublinha a necessidade de aumentar o uso de genéricos para garantir sustentabilidade do SNS. Só com o recurso a genéricos da rosuvastatina, para o colesterol, podem ser poupados 20 milhões por ano.

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Rui Gaudêncio

Depois de uma década e meia de crescimento acelerado, a quota de medicamentos genéricos estabilizou nos últimos três anos, lamenta o presidente da Associação Portuguesa de Medicamentos Genéricos e Biossimilares, Paulo Lilaia. Se os portugueses comprassem genéricos sempre que isso é possível, pouparíamos mais cerca de 100 milhões de euros por ano, calcula. Só usando mais genéricos e também mais biossimilares (uma espécie de genéricos, mas bem mais complexos, dos fármacos biológicos, que são feitos a partir de organismos vivos) será possível garantir a sustentabilidade do sistema de saúde e libertar dinheiro para tratar mais doentes com medicamentos inovadores, que são muito dispendiosos, sublinha. São questões que vão estar em debate na 23.ª  conferência da Medicines for Europe, associação europeia de medicamentos genéricos, que começa nesta quarta-feira em Lisboa.

Já há muitos medicamentos biossimilares em Portugal?
Há cerca de 20 medicamentos biossimilares aprovados em Portugal, nomeadamente para a área da oncologia, da diabetes, das doenças auto-imunes, entre outras, mas apenas estão a ser usados seis [nos hospitais]. Feitos a partir de organismos vivos, os biossimilares têm que ser o mais parecidos possível com os medicamentos biológicos e implicam a realização de ensaios clínicos. Os custos de desenvolvimento de um biossimilar são muito elevados, podem ir até 250 milhões de euros. Os últimos dados completos disponíveis (de 2015) indicam que gastamos cerca de 400 milhões de euros com medicamentos biológicos, e isso representa quase um terço da despesa total com medicamentos nos hospitais. Agora, veja o impacto que a entrada de biossimilares pode ter. 

Qual é o potencial de poupança para Portugal?
Com os biossimilares podemos poupar mais de 100 milhões de euros até 2020. O mesmo acontece com os medicamentos genéricos. O potencial de poupança é mesmo mais elevado, e, apesar de isso depender da prescrição pelos médicos e da utilização pelos doentes, pode significar mais 100 milhões de euros por ano, aproximadamente. São números realistas.

Como é que isso é possível se a quota de mercado de genéricos em Portugal já está perto dos 50%?
A quota de mercado está em 47%, de acordo com os últimos dados, quando o mercado potencial total [se as pessoas optassem por medicamentos deste tipo, sempre que isso é possível] é de 67,2%, segundo os últimos dados. Mas o objectivo definido no programa do Governo é que a quota de genéricos atinja os 60% até ao final da legislatura. 

 Acredita que é isso viável?
Sim, até porque, como disse, ainda há um potencial grande de crescimento dos genéricos já disponíveis no mercado, de 47% para quase 70%. Mas a poupança depende de vários factores: é necessário haver uma maior utilização de genéricos [na classe] de medicamentos onde já há possibilidade de os utilizar, aumentar a utilização por alteração da prescrição de medicamentos de marca para este tipo fármacos mais baratos e isso vai ainda decorrer do lançamento de genéricos que ocorrerá nos próximos anos. O mercado de genéricos, a preços de venda ao público, representa 550 milhões de euros por ano. A poupança gera-se usando menos os medicamentos de marca, que são mais caros. Dou-lhe um exemplo: só a utilização de genéricos da rosuvastatina [Crestor, de nome comercial, um fármaco para o colesterol], que vai perder a patente no final do ano, poderá representar uma poupança da ordem dos 20 milhões de euros por ano. E, uma vez que a comparticipação estatal é de 37%, a maior parte desta despesa é suportada pelo doente.

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Se são só vantagens, porque é que houve então uma estabilização do crescimento deste tipo de fármacos nos últimos anos?
Os genéricos cresceram muito, mas nos últimos três anos verificou-se uma estagnação, de facto. Por isso é importante continuar a elaborar guidelines que ajudem os médicos a prescrever genéricos sempre que isso é possível, criar mecanismos para estimular a dispensa de genéricos nas farmácias e investir na informação aos utentes.

Nos primeiros tempos, houve quase uma guerra com a Ordem dos Médicos...
Isso hoje não faz sentido. Actualmente, mais de 60% dos doentes são tratados com genéricos na Europa e espera-se que a utilização cresça até 75%, no horizonte de 2020. 

Portugal está atrasado a este nível?
Ainda estamos atrasados. Entre 2000 e 2014, conseguimos uma progressão muito interessante, mas hoje temos o problema da estagnação. Para nos aproximarmos dos países da Europa é, repito, preciso informar os médicos e ter boas guidelines, incentivar as farmácias e informar as pessoas de forma a que sejam elas próprias parte da solução, porque é do nosso interesse utilizarmos mais genéricos. O sistema de saúde só e sustentável com maior utilização deste tipo de medicamentos. Não há dinheiro para comprar medicamentos inovadores sem uma poupança com estes fármacos. Nos próximos três anos, vamos assistir à entrada de dezenas de genéricos devido ao expirar de patentes de vários [medicamentos] originadores. 

Há países na Europa com quotas muito superiores?
Ainda estamos longe da utilização de países mais desenvolvidos, como a Inglaterra, a Alemanha e os países nórdicos. Os mais ricos são os que mais utilizam genéricos. Nós demos um grande salto mas ainda estamos longe de esgotar o nosso potencial.

Com os biossimilares, a situação é mais complexa.
Sim, estes estão a ser menos utilizados do que poderiam, por uma série de razões. É preciso fazer passar muita informação aos hospitais, aos médicos hospitalares e aos utilizadores. Está demonstrado que a qualidade e a eficácia são iguais. Na Europa há mais biossimilares aprovados do que em Portugal, mas o que falta sobretudo entre nós é uma maior utilização dos que já estão aprovados. A utilização de biossimilares em geral é muito reduzida. Nas farmácias, as pessoas apercebem-se directamente da poupança quando compram genéricos em vez de medicamentos de marca. Agora, nos hospitais, isso não acontece com os biossimilares. É imprescindível que as pessoas percebam que a utilização destes medicamentos é boa não só para todos nós enquanto sociedade, mas também a nível pessoal. Podemos vir a ter alguém na família que necessite de um inovador e é preciso que haja dinheiro para o comprar. Com o envelhecimento, as necessidades em saúde aumentam. Se queremos que todos sejam tratados o melhor possível, é preciso encontrar um equilíbrio. Os biossimilares e os genéricos são o pilar fundamental para a sustentabilidade do sector da saúde .

Os biossimilares estão, nesta fase inicial, a enfrentar um processo semelhante que aconteceu com os genéricos no início, em que havia desconhecimento e desconfiança?
É semelhante. Mas hoje, na Europa, há 400 milhões de doentes que todos os dias utilizam medicamentos biossimilares e está absolutamente demonstrado e com evidência científica que têm idêntica qualidade e eficácia. O que é preciso agora é informar e fazer uma transferência gradual para estes medicamentos.

Também há riscos neste crescimento. Os preços dos genéricos baixaram substancialmente. Há uns anos, um farmacêutico mandou uma caixa de pastilhas elásticas para os deputados, ironizando que era mais cara do que algumas embalagens de genéricos.
Somos os primeiros a compreender que o preço deve ser o mais baixo possível, mas de facto não pode ser tão baixo que inviabilize a comercialização. Por vezes os preços descem tanto que as empresas deixam de comercializar os medicamentos. Por isso é tão importante a sustentabilidade do sector. Mas volto a notar que estes medicamentos são determinantes para a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Só existe dinheiro para comprar inovação se houver uma maior utilização de genéricos e biossimilares.

Portugal é um dos candidatos à sede da Agência Europeia do Medicamento (EMA nas sigla inglesa). O que pensa da disputa entre Lisboa e Porto?
Acho que é legítimo que outras cidades possam também ser consideradas. Mas o que é fundamental é que Portugal se candidate, tendo em conta o impacto e o prestígio que representaria para o país ser a sede desta agência europeia. Com o actual sistema de telecomunicações e de transportes deixou de fazer sentido falar-se em países periféricos.

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