Sindicato dos magistrados do MP recusa "interferências do poder executivo" de Angola

Ministro da Justiça angolano admitiu reequacionar a cooperação judiciária com Portugal, mostrando-se "estupefacto" por o Ministério Público português ter avançando para a fase de instrução no processo envolvendo o vice-presidente de Angola.

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Nelson Garrido

O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, recusou nesta terça-feira "interferências do poder executivo", quando questionado sobre a posição do ministro da Justiça de Angola, que admitiu rever a cooperação judiciária com Portugal. "Não vemos nunca com bons olhos interferências do poder executivo na esfera própria do judiciário, em qualquer país do mundo, nem em Portugal nem em qualquer país do mundo", declrou aos jornalistas.

O ministro da Justiça angolano admitiu na segunda-feira reequacionar a cooperação judiciária com Portugal, mostrando-se "estupefacto" por o Ministério Público português ter avançando para a fase de instrução no processo envolvendo o vice-presidente Manuel Vicente, sem esperar pela resposta de Angola.

Recusando comentar o processo em concreto que envolve o vice-presidente de Angola, António Ventinhas defendeu, genericamente, que "a actividade do Ministério Público pretende ser precisamente livre de quaisquer interferências políticas por parte do executivo". "É por isso que temos sempre lutado", declarou, quando respondia a perguntas dos jornalistas após ser recebido pelo grupo parlamentar do PSD na Assembleia da República.

Caso entrou em fase de instrução em Maio

O ministro da Justiça e Direitos Humanos de Angola, Rui Mangueira, disse à Lusa na segunda-feira estar "estupefacto e até incrédulo": "São situações que demonstram um certo desrespeito pelas nossas autoridades judiciárias, e em especial pelo Tribunal Constitucional da República de Angola", afirmou, questionado pela Lusa à margem de um evento oficial em Luanda.

A Lusa noticiou a 19 de Maio que o Ministério Público já enviou para o Tribunal de Instrução Criminal o caso Operação Fizz, apesar de o vice-presidente angolano, Manuel Vicente, não ter sido ainda notificado da acusação, indicaram então fontes ligadas ao processo.

"Esta situação, obviamente a ser verdade, por aquilo que nos foi dado a conhecer, é uma questão que assume uma gravidade muito grande e vai-nos levar, certamente, a fazermos uma avaliação e uma apreciação de todo o trabalho que deve ser feito nos termos deste acordo" de cooperação judiciária entre os dois países, afirmou Rui Mangueira.

A decisão do Departamento Central de Instrução Criminal (DCIAP) de enviar os autos para instrução (fase processual seguinte à acusação) surgiu numa altura em que, após um pedido do MP português para notificar Manuel Vicente, o procurador-geral de Angola decidiu pedir um parecer ao Tribunal Constitucional angolano sobre o assunto, o que atrasou a diligência.

No processo, o vice-presidente da República de Angola e ex-presidente da Sonangol, Manuel Vicente, é suspeito de ter corrompido Orlando Figueira quando este era procurador no DCIAP, departamento do MP que investiga a criminalidade mais grave, organizada e sofisticada, designadamente de natureza económica.

As autoridades judiciárias portuguesas solicitaram a Angola, através de carta rogatória e ao abrigo do acordo de cooperação judiciária entre os dois países, que Manuel Vicente fosse ouvido. Contudo, dada a imunidade conferida pela inerência das funções, as autoridades angolanas decidiram solicitar um parecer ao Tribunal Constitucional sobre os passos a dar.

Em causa estarão alegados pagamentos de Manuel Vicente, no valor de 760 mil euros, ao então magistrado para obter decisões favoráveis em dois inquéritos que tramitaram no DCIAP.

Manuel Vicente está acusado de corrupção activa na forma agravada, branqueamento de capitais e falsificação de documentos. Já o ex-magistrado do Ministério Público, Orlando Figueira, é acusado de corrupção passiva na forma qualificada, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.

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