Marvila inunda 15 paredes de arte para derrubar muros

Artistas nacionais e internacionais juntam-se em três bairros para lhes dar vida através do graffiti . Até dia 28 de Maio, writers e moradores vão estar no festival MURO de mãos nas tintas com mesmo objectivo: a inclusão

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Em Marvila estarão até domingo sete artistas portugueses e nove ibero-americanos. Há também música e exposições Margarida Basto
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Margarida Basto
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São 15 paredes laterais de 15 prédios diferentes que se transformam em 15 telas gigantes para 15 artistas de arte urbana. O bairro da Quinta do Marquês de Abrantes, da Quinta do Chalé e da Quinta das Salgadas, em Marvila, estão a ganhar cores e formas pela mão de writers do lado de cá e de lá do oceano.

Tudo começou há oito meses. “Não nos queríamos impor, então em Outubro começámos a reunir com as associações locais e com os elementos-chave da comunidade. Falámos com as pessoas que são influenciadoras de opinião aqui no bairro”, conta Inês Machado, coordenadora da Galeria de Arte Urbana (GAU) do Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa. O trabalho de sensibilização passou por visitas guiadas e muitas conversas, mas a tarefa revelou-se fácil. “Os moradores, de diferentes etnias, nunca demonstraram muita resistência à iniciativa”.

Não se pode dizer que a localização destes bairros seja na periferia, “mas parece”. Uma única farmácia, três cafés, uma escola e uma biblioteca municipal é tudo o que se pode encontrar nas imediações. Lojas, supermercados ou multibanco nem vê-los. “É uma área muito extensa e sem qualquer atracção. Além disso, as pessoas não são vizinhas porque querem [foram ali realojadas], o que ainda torna o ambiente mais complicado”, explica Inês Machado.  

O principal motivo do festival MURO em Marvila, que também integra concertos, aulas de skate, encontros de hip-hop ou conversas e exposições sobre arte urbana e que dura até domingo, é a inclusão social e cultural de quem lá vive e também destes bairros na cidade. Este é o segundo ano em que se realiza o evento, que no ano passado pintou empenas no Bairro Padre Cruz. “O município não consegue dar tanta atenção a estas comunidades e este projecto dedica-se a elas através da arte”, declara a coordenadora da GAU. 

Lisboa foi considerada a capital Ibero-Americana de Cultura de 2017 e é precisamente esse o tema desta exposição a céu aberto. Até Marvila, voaram nove artistas da Colômbia, Brasil, Venezuela, Equador, México, Argentina e Espanha para fazer jus ao propósito do festival. 

Eduardo Kobra é autor do maior painel grafitado do mundo e veio do Brasil para deixar uma marca no Bairro Quinta do Marquês de Abrantes. Desde segunda-feira que começa a pintar às oito da manhã e arruma as trinchas às oito da noite. “Este festival tem um carácter transformador. Os moradores querem aprender, está-se a despertar neles o interesse pela arte. Há muito talento por aqui”, refere. O artista já pintou em 30 países e, em Marvila, decidiu retratar Cacique Raoni, um dos maiores activistas em defesa da Amazónia e dos povos indígenas.

Da Venezuela, e com outro tipo de projecto, veio Flix. O criador está a concretizar uma residência artística durante o mês de Maio com as comunidades locais no Bairro das Salgadas. O estilo do venezuelano estimula à participação e a ele juntam-se jovens e crianças para preencher com cor as aves geométricas que desenhou. “Tenho a certeza que, como ajudaram, vão cuidar disto depois de eu ir embora. Fica com eles um sentimento de pertença”, afirma o writer, cheio de tinta nas mãos.

Focado sobretudo no envolvimento da população juvenil destes bairros, Flix relata que “tem sido muito gratificante aprender tanto com os moradores” que se aproximam ao seu trabalho. A coordenadora da GAU explica que o diálogo entre as pessoas do bairro é um propósito do MURO, que acredita ser possível. “De trincha e tinta na mão, as diferenças entre quem mora no bairro esbatem-se”, explica.   

Novos caminhos

A procura de respostas é, para o brasileiro John Douglas, o que melhor se tira desta iniciativa. “Se é bonito ou feio é irrelevante. O importante é que se abrem caminhos novos, que levam quem mora aqui a pensar, tentar perceber o significado das obras e a discutir sobre a cultura”, declara o writer.

Miguel é de Lisboa. Está há cinco dias a pintar uma empena no bairro Quinta do Marquês de Abrantes em tons de verde, vermelho, amarelo, preto e branco. Garante que tem recebido “muitos elogios e de todas as idades” e, quanto à iniciativa, acredita que “é uma maravilha criar um ‘bairro-galeria’ cheio de interesse”.

As argentinas Anali e Vanesa formam as Medianeras e estão a pintar uma parede de nove metros de largura por 15 de altura. “Genial” é a palavra que mais usam quando falam deste projecto, que consideram que vai atrair “as pessoas que não são do bairro para ver estas obras de arte”, explica Vanesa. 

Esse também é o desejo da GAU, da Gestão dos Bairros Municipais de Lisboa e da Junta de Freguesia de Marvila. Os artistas partem dentro de dias, mas as obras ficam. Nos quatro mil metros quadrados de área de intervenção artística fica vincada a inclusão social e cultural destes bairros. “Este espaço torna-se num hotspot de arte urbana que desencadeará novas iniciativas que darão continuidade a este projecto de liberdade de expressão e criatividade”, garante Inês Machado. Pelo menos a esperança é essa.

Texto editado por Ana Fernandes     

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