A escolha entre a justiça desportiva portuguesa e a brasileira

Não posso deixar de ter reservas sobre a competência do TAD para um litígio entre duas partes brasileiras e sem qualquer elemento de conexão com o ordenamento jurídico português.

1. O panorama desportivo português tem sido assolado pelos mais variados sobressaltos e problemas jurídicos, destacando-se uma modalidade em particular: o futebol. Pense-se na questão da violência no futebol, no cenário de “batalha campal” verbal entre clubes, na falta de celeridade da justiça desportiva ou mesmo nas sanções automáticas (redundando em autênticas “leis da rolha”) a agentes desportivos.

Assisto a este cenário futebolístico com muita apreensão. Tenho, porém, por certo que esta instabilidade no futebol português se reconduz, na sua maioria, a uma luta de poder entre clubes, numa altura em que se disputam, com muita agressividade, os lugares cimeiros da classificação final do primeiro escalão dos campeonatos portugueses. Todavia, devemos ainda ponderar se os mecanismos jurídicos existentes – e só estes – são suficientes para trazer alguma estabilidade ao associativismo desportivo com importantes funções de regulação no futebol. Deve-se, acima de tudo, contribuir para uma mudança de mentalidades.

2. Não deverá ser esta a única preocupação do “universo” desportivo. Há, em particular, um silêncio sepulcral que me deixa particularmente inquieto, desde logo, aquele que gravita em torno das controvérsias jurídicas que derivam do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD). Volto, assim, a escrever sobre o TAD, uma vez que entendo ser relevante discutir um problema muito peculiar.

Neste contexto, convém relembrar que é um dado assente que o TAD não tem tido o sucesso que dele se esperava, passando inclusivamente por grandes dificuldades no que concerne ao seu autofinanciamento. Sem um volume de processos relevante, este centro arbitral tem sido também financiado pelo Estado (e pelo associativismo desportivo).

No âmbito da arbitragem necessária, a que as partes são obrigadas a recorrer se quiserem obter tutela para os seus direitos, regista-se um conjunto de litígios ainda não muito substancial, mas que é, ainda assim, claramente superior ao que se assinala na arbitragem voluntária.

Segundo os dados oficiais disponíveis no site do TAD, a existência da submissão por acordo das partes ao TAD de dois singelos processos ilustra bem a falta de confiança que este tribunal arbitral goza no seio do panorama desportivo português.

3. Destes dois processos ainda em curso, há um que me despertou particular curiosidade, desde logo, pela peculiaridade jurídica que envolve.

Se olharmos para os dados oficiais, identifica-se facilmente que nem todas as partes em litígio são só clubes, federações ou, por exemplo, atletas portugueses.

Na verdade, no processo n.º 20/2017 não se vislumbra qualquer ligação com o ordenamento jurídico português, tratando-se de um litígio entre uma federação de futebol do Estado do Rio de Janeiro e um clube sedeado no Rio de Janeiro, que disputam, segundo a informação oficialmente disponibilizada, a “[t]itularidade do direito de exploração comercial e económica da publicidade estática no entorno dos gramados das arenas desportivas”.

Sem discorrer pelo conteúdo do litígio (que não conheço), pergunto-me, em abstracto, se duas partes com um litígio idêntico e sem qualquer elemento de transnacionalidade e de conexão podem submeter um litígio ao TAD em sede de arbitragem voluntária.

4. A resposta não pode deixar negativa por dois motivos essenciais.

Em primeiro lugar, o litígio em causa não preenche os requisitos legais de competência do TAD. Não só não se trata de um litígio que releva do “ordenamento jurídico desportivo” português, bem assim como este também não terá, em princípio, qualquer relação “com a prática do desporto” (cfr. o artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, na redacção da Lei n.º 33/2014, de 16 de Junho [LTAD]).

Em segundo lugar, não podemos, igualmente, esquecer que por intermédio da aplicação subsidiária (prevista no artigo 61.º da LTAD) da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, 14 de Dezembro) também se conclui pela impossibilidade de um litígio puramente nacional (com elementos de conexão a um único país) poder colocar “em jogo interesses do comércio internacional”, nos termos do artigo 49.º, n.º da Lei de Arbitragem Voluntária.

5. Em suma, não posso deixar de ter reservas sobre a competência do TAD para um litígio entre duas partes brasileiras e sem qualquer elemento de conexão com o ordenamento jurídico português.

De qualquer modo, não deixa de ser intrigante que o TAD não consiga convencer o associativismo desportivo português, mas que incrivelmente pareça ganhar a confiança de partes que tenham litígios com ligações exclusivas ao ordenamento brasileiro. Acompanharei com todo o interesse a decisão do TAD neste caso.

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