Matar o futebol

Combinar um encontro com outras pessoas, que não conhecemos, para andar à “porrada”, não é normal.

Estamos em momento crucial da época. Nenhum adepto está disposto a perder um campeonato, um acesso às competições europeias ou a ver o seu clube descer de divisão por um erro sem sentido.

Os erros são, agora, menos tolerados e dificilmente desculpáveis caso as suas consequências forem as acima descritas.

Um guarda-redes não pode desconcentrar-se e cometer uma falta, sem qualquer sentido ou justificação, que origine um pontapé de penálti contra a sua equipa.

Um goleador não pode falhar um golo, cabeceando sem oposição e a pouca distância da baliza adversária.

Um treinador não pode demorar 45 minutos a perceber que a sua equipa está “adormecida” e que precisa ser mexida.

Dois árbitros, em dois jogos diferentes, não podem não ver cinco faltas que dariam origem a outros tantos pontapés de penálti decisivos no resultado final dos respectivos jogos.

Todas estas situações aconteceram. Todas elas são imperdoáveis aos olhos de muitos adeptos. Até aos olhos dos próprios...

Só o guarda-redes saberá como está arrependido daquele momento de desconcentração e, seguramente, ainda se pergunta como é que “aquilo” aconteceu.

O goleador, que raramente falha um cabeceamento naquela posição, ainda vê na sua cabeça aquela baliza tão próxima e a bola a sair por cima.

O treinador, que já terá revisto o jogo várias vezes, já percebeu que havia outras formas de “montar” a sua equipa de forma a retirar melhor partido dos seus jogadores naquele jogo.

Os árbitros... esses também já reviram, vezes sem conta, as imagens dos lances. Perceberam que nalguns deles era muito difícil conseguir ter a certeza de que havia falta, e sem certezas não se assinalam pontapés de penálti. Viram também que cometeram erros que, percebem, não são fáceis de explicar a quem nunca andou lá dentro. 

Todos - guarda-redes, goleador, treinador e árbitros – sabem que o erro faz parte da sua actividade. A diferença para o sucesso não passa por não errar (todos sabem que isso é impossível) mas sim por errar o menos possível. E, de preferência, em momentos que não sejam fulcrais.

Todos, salvo qualquer imponderável, irão voltar a errar no próximo fim-de-semana. E todos irão, também, acertar e ser competentes na sua função.

Os erros destes homens poderão ser graves para a concretização dos objectivos das suas equipas. Ponto. Nada mais.

Outros erros, de outros homens, são menos admissíveis. Aliás, outros erros são intoleráveis e inaceitáveis a todos os níveis.

Combinar um encontro com outras pessoas, que não conhecemos, para andar à “porrada”, não é normal. Não é um erro. É uma atitude abominável! Atropelar alguém propositadamente, mortalmente ou não, não é normal. Não é um erro. É terrível e desumano!

Quando, com oito anos, eu e os meus primos brincávamos com uma bola no Estádio da Palha (terreno dos meus avós), isso era futebol!

Quando, com 16 anos, eu estava à baliza (dizer guarda-redes seria demasiado ousado) do Sporting de Pombal a jogar nos campeonatos distritais de Leiria, isso era futebol.

Quando, durante 20 anos, andei como árbitro dentro de campos de futebol a tentar errar o menos possível, isso era futebol!

Actualmente, para além da minha actividade profissional, sou comentador de arbitragem na TVI e dedico algum do meu tempo a escrever estas crónicas. Isto, não sendo propriamente futebol, mantém-me perto dele.

Matar alguém não é futebol e não tem nada a ver com futebol. Ponto.

Sugerir correcção
Comentar