Carnide, a EMEL e o estacionamento que falta a Lisboa

O arrancar de parquímetros em Carnide na noite de 6 para 7 de Abril, é emblemático do mal-estar provocado pela atitude majestática da EMEL! Porquê? O espaço publico, até aí aberto, passa para a exploração da EMEL, por simples marcação de lugares no chão, sem qualquer investimento nem valor acrescentado, só por desenhar espaços, cobrar. Ora isto é visto como usurpação, expulsão, sob pretexto de “moralizar o uso do espaço que é de todos”, “criar uma rotatividade de acesso aos lugares”… que de facto continua sempre ocupado! É um pretexto da autoridade para mais receita! Que razões invoca a Junta de Freguesia de Carnide (JFC): tendo ganho dois Orçamentos Participativos (OP), nenhum destes foi implementado pela CML. Ora a JFC pretende implementar esses dois OP como contrapartida da instalação de parquímetros na sua zona histórica, coisa que a JFC não recusa nem contesta: quer é que a CML faça a sua parte – levar a cabo os dois OP, tanto mais que um desses é a …criação dum parque de estacionamento de 200 lugares junto à zona histórica! E mais espaços expectantes existem na zona para promover mais estacionamento, publico e privado, numa área procurada por muitos lisboetas.

E aqui a primeira contradição da EMEL: como é que com um espaço disponível para tantos ou mais lugares que os que pretende agora tarifar no centro histórico, não avança com ambos? Não é racional criar o maior número possível de estacionamentos? A explicação é que, de facto, a EMEL e a CML não pretendem resolver a fundo a falta de estacionamento em Lisboa, mas tão só explorar a sua escassez. E encaram o automóvel como um meio de transporte a afastar da cidade, incomportável nas zonas antigas, a condicionar o mais possível pelas mais diversas razões. O tarifar estacionamentos à porta das pessoas, sem criar espaço maior ou alternativo que responda às necessidades dos moradores e à grande procura externa, mormente aos que demandam os restaurantes e esplanadas locais, advem desta politica de “não criar estacionamento para não atrair mais circulação”: “gerir a escassez, não a combater”! E no caso de Carnide devia ser do seu centro histórico e em especial da Rua Neves Costa, Largo do Coreto, graciosa praceta do sec. XIX – donde se deveria tirar o estacionamento, levá-lo para o tal parque novo a criar, votado pela população em OP e que a CML se “esquece” em cumprir. Temos assim a dupla perfeita: a CML não promove mais parques, a EMEL explora o pouco que há!

A política de não criar estacionamentos vem de longe. Desde os meados do século passado, a CML nem sempre obrigou as novas construções a terem estacionamento próprio, sendo mais as isenções que o seu cumprimento. Dois exemplos: Telheiras tem só três parques privados, o resto é em espaços públicos, ruas, pracetas. Em toda a cidade, as escolas, hotéis, edifícios de serviços não têm estacionamentos suficientes! Só os centros comerciais se excedem na oferta de estacionamento, para fazer a diferença com as zonas históricas e o comércio tradicional: abundância  a contrastar com a escassez!

Pior: desde há longas décadas que a solução de estacionar à beira do passeio é a regra. Resultado: estes lugares, erroneamente para estacionar, impossibilitam a paragem, a tomada e largada de passageiros, (des)cargas, donde paragens em 2ª fila, vistas como desrespeito, incivilidade, multa! Esse estacionamento ao longo dos passeios, em vez de retirado para sítios próprios (parques, subterrâneos, silos), passou a ser…tarifado pela EMEL - receita municipal! A cidade está sempre com enfartes, AVC! A economia geral e das empresas perdem, mas o fisco pelos impostos sobre os combustíveis (60 a 70% do preço destes) e a EMEL pelas taxas e coimas ganham sempre! Tão habituados estamos a esta “arteroesclerose” viária, que já nem damos por ela!

Há muito que a CML chamou a si o monopólio do estacionamento publico, cometendo-o à EMEL, alguns parques concessionados a privados, algumas vezes com tristes casos como os contenciosos com a Bragaparques. Pelo caminho abandonou uma solução que era popular e viável, solução possível entre outras: moradores, empresas, construtores imobiliários, etc. construirem os seus estacionamentos próprios. Recordo um exemplo. Nos anos 1990, a Junta de Freguesia de Benfica e a CML no mandato de Jorge Sampaio promoveram o projecto de associações de estacionamento de moradores, tipo condomínio para parqueamentos, para construirem sob espaços públicos concessionados em direito de superfície por 99 anos. A procura foi grande e mais de 12 ou 15 grupos de moradores interessados em construir os seus próprios parques de estacionamento se propuseram. Só dois destes estacionamentos – o Andreia Parque e o parque da Av. República da Bolívia - tiveram sucesso, tais as dificuldades a vencer. A CML veio a anular aquela política, dando à EMEL a exclusividade.

E desse papel conferido à EMEL para oferecer estacionamento em Lisboa, que soluções tem dado? Na perspectiva de “gerir a escassez”, uma medida que pratica é a de atribuir licenças anuais para residentes, pagas, em número superior aos lugares disponíveis na zona, donde que só os que chegam primeiro têm de facto lugar! Outra é a de estabelecer prioridades na atribuição dessas licenças a comércios e serviços, sempre menos que os pretendidos. Ou retira lugares aos moradores para os atribuir à hotelaria e restauração como aconteceu recentemente na Baixa com a transferência de 60 lugares daqueles para estes. Esta falta de estacionamento leva ao progressivo afastamento de moradores para as periferias, desertificando mais a cidade. É certo que a EMEL tem criado alguns parques, mas falta a construção de mais parques de estacionamento subterrâneos e até de silos, cuja necessidade é enorme.

O automóvel ainda é o principal meio de transporte, não há que o dificultar, mas sim obrigar cada carro a ter o seu lugar próprio. Novas mobilidades já andam aí: segways, trotinetes e skates eléctricos. A CML tem agora a responsabilidade da Carris e pode oferecer transportes públicos  mais frequentes, menos superlotados, estes sim a grande alternativa à circulação automóvel! Vai a CML canalizar as receitas do estacionamento para mais linhas, mais circulações da Carris? Vai pôr em prática uma política de mobilidade verdadeiramente articulada entre automóvel - transportes públicos - outros meios de mobilidade? Concluo voltando ao gesto da JFC frente ao alheamento da CML, ao não cumprimento de dois OP: preferiu a EMEL passar a cobrar o estacionamento… que já lá estava! Isto desautoriza-a, prova a sua “gestão da escassez”, não cria mais estacionamento, não valoriza o centro histórico, libertando-o de carros! Não cria mais valor nem melhor espaço público! E esta atitude justifica a insubmissão dos carnidenses. E quantos lisboetas não quererão fazer o mesmo?

 

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