Há, mas são verdes

É melhor dizer só que não há. Só assim: "Não há."

O meu pai gostava muito da expressão “Há, mas são verdes”. Tudo depende da pausa entre “há” e “mas”. Tem de ser pequena. Se não for, estraga tudo: só falta dar umas cotoveladas nas costelas do interlocutor, insistindo numa resposta: “Agora tive graça, não tive? Hã? Percebeste?”

Era eu criança e não achava graça nenhuma. Nunca comprei a teoria segundo a qual o “há, mas são verdes” ensina aos apressados que tenham paciência. Aqueles figos rijos que nem cornos que a mocidade apalpa nas figueiras não são uma negação. São uma promessa. Basta saber esperar, blá-blá-blá, são só dois meses, passam num instante, qualquer dia vamos-nos rir deste momento, bliu-bliu-bliu.

Só quando cheguei a crescido me contaram o resto da ladainha: “Há, mas são verdes. As maduras comi-as eu.” A lição evaporou-se. Continuava a valer a pena esperar que amadurecessem os figos verdes. Mas o facto de outro energúmeno já ter enchido a barriga era, no mínimo, desencorajador.

Os portugueses querem enganar para mais tarde enraivecer. Os brasileiros, mais simpáticos, querem adiar o mais possível a má notícia. Daí a informação imortal que “há, mas não tem”.

Em português arcaico: ele haver há. Neste momento e neste local admite-se que não haja espécimen nenhuma desse artigo que o senhor procura. Mas nada garante bó-lóli, bo-lóli, bó-ló-ló.

É melhor dizer só que não há. Só assim: “Não há.” Se alguém apontar para as verdes e perguntar “E estas?”, terá a satisfação, muito maior, de dizer: “Essas estão verdes, não vê?”

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