Portugal exige demissão do líder do Eurogrupo por frase polémica

A propósito da crise de confiança dos países do euro, Jeroen Dijsselbloem disse em entrevista: “Não posso gastar o meu dinheiro todo em bebida e mulheres e depois disso ir pedir a vossa ajuda”.

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Enric Vives-Rubio

A indignação foi em crescendo: o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, pediu a demissão do líder do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, após declarações polémicas sobre a crise do euro.

"São declarações muito infelizes e, do ponto de vista português, absolutamente inaceitáveis", explicou Santos Silva à agência Lusa. “Há, por um lado, o aspecto de uma graçola que usa termos que hoje já não são concebíveis, essa ideia de gente que anda a gastar dinheiro com vinho e mulheres é uma forma de expressão que, com toda a certeza, não é própria de um ministro das Finanças europeu.”

"Está manifesto que o senhor Djisselbloem não tem nenhumas condições para permanecer a frente do Eurogrupo", acrescentou ainda o ministro, criticando a visão do ministro holandês. "Pelos vistos, o presidente do Eurogrupo continua passados estes anos todos sem compreender o que verdadeiramente se passou. O que se passou com países como Portugal, Espanha ou Irlanda não foi termos gasto dinheiro a mais. O que aconteceu foi que nós, como outros países vulneráveis, sofremos os efeitos negativos da maior crise mundial desde os tempos da grande depressão e as consequências da Europa e a sua união económica e monetária não estar suficientemente habilitada com os instrumentos que nos permitissem responder a todos aos choques que enfrentamos", explicou.

"Quem pensa assim, pensa erradamente e infelizmente o presidente do Eurogrupo já nos habituou demasiado a ver erradamente as coisas e a ver menos do que devia, ou mesmo desvalorizar, o esforço que os países estão a fazer", disse também Santos Silva.

O líder dos eurodeputados espanhóis do Partido Popular, Esteban González Pons, disse que Dijsselbloem “ofendeu os países do Sul e as suas mulheres com uma declaração racista e machista” e “deve pedir desculpa e deixar o seu cargo, pois já não é neutro”.

Antes, já o italiano Gianni Pittella, líder dos socialistas no Parlamento Europeu, questionara se “uma pessoa que usa estes argumentos pode ser considerada adequada para presidir ao eurogrupo”.

Tudo começou com uma frase já quase no final de uma entrevista ao diário alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung. Na discussão sobre as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento e da responsabilidade da Comissão Europeia no seu cumprimento, Dijsselbloem diz que um cumprimento com consistência é importante para a zona euro dar um sinal para o exterior e aumentar a confiança entre os países europeus.

“Na crise do euro os países do Norte mostraram solidariedade para com os países do Sul. Como social-democrata, a solidariedade é para mim extremamente importante. Mas quem a pede tem também deveres. Não posso gastar o meu dinheiro todo em bebida e mulheres e depois disso ir pedir a vossa ajuda. Este princípio vale para o nível pessoal, local, nacional e também europeu”. 

Questionado ontem no Parlamento Europeu pelo eurodeputado espanhol Ernest Urtasun, Dijsselbloem recusou pedir desculpa, salientando que a parte mais importante da sua declaração é a que diz respeito à solidariedade. “Não se ofendam, isto não é uma questão de um país, é uma questão de todos os nossos países”, disse. “A Holanda também falhou no cumprimento do que foi acordado”, disse. 

Bloco quer repúdio na AR

Em Portugal, o Bloco de Esquerda vai apresentar na sexta-feira um voto de repúdio às declarações de Dijsselbloem e entende que a Assembleia da República deve pedir ao holandês que se retracte, explicou ao PÚBLICO a deputada Isabel Pires. “Consideramos as declarações absolutamente xenófobas, racistas, sexistas, preconceituosas, ainda para mais depois de anos de austeridade que Portugal e outros países do Sul sofreram, medidas impulsionadas em parte por este presidente do Eurogrupo”, disse.

O Partido Socialista também pediu ao Partido Socialista Europeu (PSE) a condenação “imediata” das declarações “ultrajantes” proferidas pelo ministro holandês e a retirada de apoio político a uma sua recandidatura ao cargo de presidente do Eurogrupo.

Esta posição consta de uma carta enviada pela secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, ao presidente do PES, Sergei Stanishev.

O líder dos eurodeputados eleitos pelo PS, Carlos Zorrinho, disse ao PÚBLICO que, depois destas palavras “inaceitáveis, arrogantes, preconceituosas e impróprias à luz dos valores europeus, Dijsselbloem deve ponderar “se não deve sair já, pelo próprio pé”, da liderança do Eurogrupo. Zorrinho admite que o mau resultado eleitoral dos sociais-democratas holandeses seja um “reflexo deste tipo de atitude”.

Na entrevista ao jornal alemão, Dijsselbloem fala também da possibilidade de se manter no cargo mesmo que o seu partido, que teve uma queda vertiginosa nas eleições de quarta-feira passando de 38 deputados para apenas nove, não faça parte do Governo e ele deixe, por isso, de ser ministro das Finanças.

“Nas regras europeias não há nada contra” o presidente do Eurogrupo não ser um ministro das Finanças, declarou, “embora até agora tenha sido sempre esse o caso”.

Dijsselbloem foi eleito em 2013 e reeleito em Julho de 2015 para mais dois anos e meio — ou seja, até ao início de 2018. O responsável diz que a decisão sobre a sua permanência no cargo está nas mãos dos seus colegas no Eurogrupo.

Os ministros das Finanças de França, Michel Sapin, Alemanha, Wolfgang Schäuble, e Áustria, Jörg Schelling, sublinharam que o mandato do holandês termina no início de 2018.

As declarações de Dijsselbloem podem ser vistas neste contexto: argumentar a favor da dureza de aplicação de medidas para cumprimento do tratado orçamental é seguir a linha de Wolfgang Schäuble, cujo apoio é essencial para a sua continuação à frente do Eurogrupo. com L.A., M.J.L. e A.V. 

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