Isto não é normal, Paulo Rangel

Ao mesmo tempo que faz discursos contra o populismo, aprova Oettinger e pede a demissão de Centeno. E eu lamento dizer que considero esta duplicidade de critérios inexplicável e esta atitude chocante.

Há um ano, a Comissão Europeia dizia que o défice português em 2016 iria ser bastante acima dos três por cento. No relatório de Inverno divulgado ontem, a Comissão vem agora confirmar que, afinal, o défice deverá ficar abaixo dos 2,3% e possibilitar a Portugal a saída do procedimento por défice excessivo que nos escapa há tanto tempo.

Qual é a resposta da direita em Portugal? Demita-se o ministro das Finanças.

Claro, concedamos que as razões para uma putativa demissão de Mário Centeno não são as de ter conseguido fazer aquilo que nenhum ministro das Finanças do anterior governo da direita conseguiu: cumprir com as metas orçamentais. A motivação para os ataques a Mário Centeno está relacionada com o processo de nomeação da antiga administração da Caixa Geral de Depósitos e com a possibilidade dos antigos nomeados terem alegadamente ficados convencidos de que estariam dispensados de entregar as suas declarações de património e rendimentos ao Tribunal Constitucional. A lei — antes e depois de alterações ao Estatuto do Gestor Público — é clara: não há dispensa. A questão passa então a ser se a lei não bastava para clarificar a posição dos administradores da Caixa, ou se poderia ter havido nas comunicações com o ministro das Finanças razões para eles acreditarem que havia dispensa: aquilo a que o ministro chamou anteontem, concedendo essa possibilidade, “um erro de percepção mútuo”. O ministro das Finanças é melhor com os números do que com as palavras, e a direita vai atacar pelas palavras para não ter de falar nos números. Até aqui, normal.

O que não é normal é, no meio disto tudo, eu ver que o mais encarniçado dos polemistas é Paulo Rangel, que foi dos primeiros a pedir a demissão do ministro e que, na sua crónica de segunda-feira no PÚBLICO, se lançou com verve numa catilinária para demonstrar que, mesmo sem provas para a culpa do ministro, Mário Centeno se deve demitir porque “a demissão não é uma pena nem uma sanção jurídica: é uma consequência política!”.

E porque não é isto normal? Porque há exatamente três meses eu escrevi nestas páginas uma Carta Aberta a Paulo Rangel pedindo-lhe responsabilidades políticas. Recorde-se que Paulo Rangel é deputado europeu, vice-presidente do PPE [Partido Popular Europeu] e chefe da delegação do PSD no Parlamento Europeu. À época, a Comissão Europeia tinha proposto para Comissário do Orçamento da União o alemão Guenther Oettinger, que não era um comissário qualquer, mas o homem que sugeriu aos jornais pôr a bandeira do nosso país a meia-haste nos edifícios europeus por causa dos seus défices excessivos, que fez em privado comentários homofóbicos e racistas dos quais só se desculpou pela metade e que, acima de tudo, foi apanhado a viajar no jato de um oligarca amigo de Putin para ir à Hungria encontrar-se com Orbán no momento da negociação de uma central nuclear russa naquele país em plena vigência de sanções ao Kremlin. Tendo Paulo Rangel responsabilidades políticas na aprovação deste comissário, eu perguntava-lhe qual era a sua opinião política sobre esta nomeação política que ele teria de votar. Perguntei, aliás, duas vezes — nessa e noutra crónica. Rangel nunca respondeu. E eu guardei o seu silêncio, confesso que com um certo pasmo, até o ler a exigir a demissão de um ministro não pelo que fez mas pela eventualidade semântico-metafísica de não se ter feito entender como deveria. Para o Comissário Oettinger — ofensivo, amigo de corruptos e autoritários e autor de propostas que violariam os tratados da UE — um silêncio cúmplice e, mais até, um discreto voto favorável para lhe dar a pasta do Orçamento da UE. Para Mário Centeno, rasgar de vestes e pedidos de demissão.

Nos assuntos em que Paulo Rangel tem responsabilidade como representante eleito dos cidadãos portugueses e europeus — zero explicações. Na questão nacional do momento, que garante cobertura e atenção mediática — Paulo Rangel está em todo o lado. Ao mesmo tempo que faz discursos contra o populismo, aprova Oettinger e pede a demissão de Centeno. E eu lamento dizer que considero esta duplicidade de critérios inexplicável e esta atitude chocante.

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