Proposta sobre liberdade sindical da PSP deixa Governo à mercê do PSD

Votação do diploma exige dois terços dos deputados. Esquerda é muito crítica, mas está disposta a conversar.

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Manifestação de polícias e de profissionais de outras forças de segurança em Novembro de 2013 Tiago Machado

A proposta de lei do Governo que altera o regime do exercício da liberdade sindical da PSP arrisca-se a criar mais um problema a António Costa: não tem o apoio dos partidos à esquerda do PS e exige uma votação de dois terços dos deputados, ou seja, precisa do voto favorável do PSD. Os sociais-democratas argumentam de acordo com a nova estratégia parlamentar que adoptaram: dizem que a questão não pode ser discutida isoladamente na PSP, mas apenas como um todo.  

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A proposta de lei do Governo que altera o regime do exercício da liberdade sindical da PSP arrisca-se a criar mais um problema a António Costa: não tem o apoio dos partidos à esquerda do PS e exige uma votação de dois terços dos deputados, ou seja, precisa do voto favorável do PSD. Os sociais-democratas argumentam de acordo com a nova estratégia parlamentar que adoptaram: dizem que a questão não pode ser discutida isoladamente na PSP, mas apenas como um todo.  

As alterações à lei da liberdade sindical da PSP propostas pelo Governo – e que são discutidas esta quinta-feira e votadas na sexta - estão debaixo de fogo da esquerda e da direita. Mas é no PSD que a questão ganha mais peso político, já que a votação final global dos artigos relacionados com a restrição de direitos exige dois terços dos deputados à luz da Constituição, tal como aconteceu com a lei original em 2002. Ou seja, exige o voto favorável da bancada social-democrata, numa altura em que o líder do PSD, Pedro Passos Coelho, garante que não será o partido a dar a mão ao Governo. Um desfecho que aconteceu com o chumbo da Taxa Social Única e depois do qual o primeiro-ministro disse que o PSD “não conta nada” para o país. A declaração de António Costa, no debate quinzenal da passada semana, veio reconfortar a posição assumida por Passos Coelho. Neste fim-de-semana, o líder dos sociais-democratas reforçou: “No dia em que esta maioria deixar de funcionar não é o PSD que sustenta o Governo”.

O vice-presidente da bancada do PSD Carlos Abreu Amorim considera que a proposta do Governo “tem alguns problemas que têm de ser trabalhados”, mas “não pode ser desprendida da liberdade sindical em geral”. A posição reflecte a nova estratégia parlamentar do PSD de não dar como certa a votação favorável em propostas dos socialistas. E neste caso, com ou sem PCP, BE e PEV, o PS precisará mesmo do PSD para a proposta passar.

À direita, Telmo Correia, vice-presidente da bancada CDS, também é crítico da proposta de lei que considera “mal trabalhada”, apesar de considerar que faz sentido “simplificar o modelo sindical”. O deputado diz que o articulado “não garante a representatividade” dos sindicatos e procura dividir as estruturas.

É nos partidos à esquerda do PS que se ouvem as críticas mais fortes, embora haja disponibilidade para o diálogo com o Governo. “Como está, o diploma não está em condições para ser aprovado”, afirma Jorge Machado, deputado do PCP, admitindo que têm existido conversações com o Governo. O deputado comunista diz estar “convencido de que o diploma pode ser corrigido nos aspectos negativos e que podem ser introduzidas alterações de melhoria”. Isso pode acontecer na especialidade, depois de a proposta baixar à comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais. O que pode ser feito sem uma votação esta sexta-feira. Só terá mesmo de ter uma votação final global que poderá acontecer daqui a semanas ou meses. Ainda haverá lugar a audições no âmbito da comissão parlamentar.

Uma das polémicas incide no artigo que restringe as declarações públicas que os agentes (enquanto elementos de um sindicato) podem fazer. A proposta não permite que revelem “informação sujeita ao dever de sigilo relativa ao dispositivo e ao planeamento, execução, meios e equipamentos empregues em operações policiais”. Nem podem fazer declarações que “violem os princípios da hierarquia de comando e da disciplina”. Estas normas foram entendidas como uma forma de impedir que os polícias falem sobre falta de meios ou façam uma crítica aos seus superiores.

Estas e outras disposições são fortemente contestadas também pelo BE. “Não estamos de acordo com vários artigos”, aponta Sandra Cunha. “Esta alteração, que serviria para regular o recurso às faltas dos elementos sindicais, vai muito mais além disso e atinge gravemente, se não mesmo aniquila, a actividade sindical”, reforça. Um dos exemplos referidos é o afastamento da actividade sindical de polícias que não estão em efectividade de funções, o que deixa de parte os aposentados e os que estão suspensos (por vezes em resultado da própria actividade sindical). A deputada bloquista afirma que a bancada tem propostas de alteração e diz esperar que “exista abertura para em sede de especialidade” discutir a proposta com o Governo.

Na preparação do debate da proposta, os deputados das várias bancadas ouviram representantes dos sindicatos e os ecos que receberam foram, na sua maioria, muito críticos sobre a forma como foi redigido o texto e como não foram auscultados o suficiente no processo. Paulo Rodrigues, da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia, disse ao PÚBLICO, no passado mês de Dezembro, preferir pensar que se trata de um lapso, mas deu um exemplo da aplicação prática: "Nem poderia dizer que determinada esquadra só tem um carro patrulha e precisa de dois. Seria a lei da rolha”.

Depois do voto contra do PSD à TSU, que surpreendeu o Governo, outras votações podem causar tensão com o PS, se a esquerda não se entender. É o caso do Pagamento Especial por Conta, das propostas de alteração à municipalização da Carris, da regulamentação da Uber além da liberdade sindical da PSP.