La La Land: o tempo não volta para trás

Uma celebração da paixão por um cinema que não volta mais, revendo o musical à luz do único europeu que o soube compreender, Jacques Demy.

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O musical não vai regressar, mas é apropriado que a ilusão se mantenha durante duas horas: La La Land
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Vamos lá pôr os pontos nos is: não, o musical não regressou, e não estamos perante uma nova era do género. O filme musical é uma relíquia de uma Hollywood que já não existe, e as muitas tentativas ao longo dos últimos anos não têm passado disso: tentativas mais ou menos felizes ou conseguidas de reavivar um género moribundo. Só por isso já dá vontade de gostar da terceira longa-metragem de Damien Chazelle: La La Land não quer ser mais do que um momento de nostalgia e homenagem, não quer reinventar nem recriar o género para os nossos dias.

É um filme que recupera a ideia de Los Angeles como “cidade dos sonhos”, do musical como conto de fadas romântico “boy meets girl”, ao mesmo tempo que sabe que tudo isso é irrecuperável. E que o faz, ainda por cima, não tanto a partir dos originais como a partir das derivações: La La Land olha para o musical de Hollywood pelo prisma do seu maior estudante e seguidor, o francês Jacques Demy, que sabia fazer musicais “à americana” sabendo que já não era possível fazer um musical “americano”.

Daí que, mesmo que aqui ou ali Chazelle recorde a elegância de Vincente Minnelli (no maravilhoso pas de deux na estrada) ou a energia de Stanley Donen e Gene Kelly (como no ballet final que arrisca, e falha, comparações com Um Americano em Paris), é Demy e o seu mote de que “no cinema é sempre tudo mais bonito”, que norteia La La Land. Desde logo na espantosa abertura que invoca o realismo transfigurado das Donzelas de Rochefort, mas sobretudo na lógica narrativa de um filme sobre dois aspirantes a estrelas, a actriz Emma Stone e o pianista Ryan Gosling (ela mais do que ele), e os seus encontros e desencontros pontuados ao ritmo das estações, contados com a melancolia de quem sabe que os sonhos não se concretizam todos dos Chapéus de Chuva de Cherburgo.

Como praticamente todo o cinema de Demy, La La Land é um filme sobre o abismo entre o sonho e a realidade, sobre a impossibilidade de reconciliar o artifício e a sinceridade, mas com a necessidade quimérica de o tentar e, talvez, de o conseguir.

O que torna La La Land francamente simpático é Chazelle saber que não chega aos calcanhares dos mestres, que não tem Fred Astaire nem Ginger Rogers nem Gene Kelly nem Cyd Charisse. É mais um ponto a favor de La La Land, mais um ponto a aproximá-lo do “fora de tempo” do cinema de Demy. É um filme de quem conhece o género o suficiente para não cometer os erros de principiante: a câmara dança com as personagens, respira com elas, em plano-sequência, sem cortes, sem truques, mostrando sempre os corpos dos actores por inteiro e sem se desmultiplicar na velocidade furiosa da montagem rápida, numa celebração arregalada de romantismo cinéfilo e de simples profissionalismo cénico. Essa é a sua força mas, ao mesmo tempo, a sua fraqueza: La La Land sabe que o passado não se repete nem se refaz  mas insiste em acreditar que, por duas horas, é possível.

Essa crença inabalável é o que o torna ao mesmo tempo vital e frágil numa paisagem de cinema demasiado cínica e formatada, como quem parte derrotado mas não deixa por isso de se investir na vitória. Não, o musical não regressou, nem vai regressar. Mas é apropriado que a ilusão se possa manter durante duas horas.

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