The xx: “No novo disco resolvemos abrir as janelas e deixar entrar luz”

Ao terceiro álbum deixam que a luz atravesse o seu universo enigmático, com canções mais expansivas e luxuriantes. Em entrevista, Romy Madley-Croft antecipa um dos álbuns mais esperados dos próximos meses. Chama-se I See You e deve o título e capa a uma canção dos Velvet Underground.

Foto

Depois de um longo silêncio os The xx vão regressar em Janeiro com o terceiro álbum de originais. I See You é o seu registo mais luminoso, expansivo e diverso, sem nunca deixar de ser sombreado pela melancolia, num jogo de contrastes entre luz e sombras, rigor e sensualidade, minimalismo e exuberância, dança e contemplação. Ou seja, é mais diverso que os dois antecessores (xx de 2009 e Coexist de 2012) mas sem que por algum momento os ingleses deixem de ser eles próprios, como se constata pelas canções (I dare you e Hold on) que já por aí se fazem ouvir há semanas.  

Os restantes oito temas que serão dados a conhecer a 13 de Janeiro não são muito diferentes, expondo uma música para respirar, feita com grande elegância, climas narcóticos, cadências rítmicas e vozes amenizadas, num contraste entre balanceamento hedonista e introspecção vocal. Curiosamente, diz-nos Romy Madley-Croft, uma das influências proveio do registo a solo de Jamie xx (In Colours de 2015), o que faz sentido, tratando-se aquele de um álbum de dinamismos electrónicos, mas onde são os ambientes e a atitude vulnerável que acaba por atribuir unidade a um conjunto de canções pacientemente tecidas, onde contenção e excitação coabitam no mesmo lugar.

Desde que surgiram no final dos anos 2000 que os ingleses têm vindo a marcar o cenário da cultura popular de forma convincente. O  álbum de estreia gerou de imediato um grande culto, através de uma pop espartana, espaçosa e opaca. No centro das operações, ao lado de Romy (guitarra e voz), estiveram desde sempre o parceiro de infância, Oliver Sim (baixo e voz), e Jamie Smith (programação e ritmos), ou seja Jamie xx, amigo de ambos nos últimos dezasseis anos, o mesmo que em 2011 começou a afirmar-se também a solo com We’re New Here, o álbum recriação de I’m New Here, aquela que viria a ser a derradeira obra do falecido Gil Scott-Heron.

Foto
Oliver Sim, Jamie Smith e Romy Madley-Croft Tom Ordoyno

Quando um projecto consegue, logo na primeira investida, definir uma sonoridade tão singular a questão que se coloca a partir daí é como resolver a equação do que se segue: consolidar ou transformar? Até agora têm optado por uma inteligente terceira via, solidificando sem se furtarem à mudança. Era o que acontecia no segundo disco e volta a suceder agora numa obra onde reconhecemos o gosto pela definição rigorosa de tempo e espaço ou as sobreposições vocais de Romy e Oliver, ao mesmo tempo que introduziram uma série de nuances, fazendo coexistir momentos langorosos com outros de maior predomínio rítmico, sublinhados por letras ainda dominadas pelas relações interpessoais, mas a partir de um prisma mais concreto e prazenteiro.

Essa maior abertura também se sente nos espectáculos ao vivo. Onde antes existia renitência, existe hoje espaço para maior risco. Apesar da maior diversidade sonora (nas gravações participou, por exemplo, a baterista das Warpaint, a australiana Stella Mozgawa) os três continuam a ser o núcleo do projecto e a naturalidade de processos é a mesma de sempre – ritmos, linhas de baixo pronunciadas, guitarra serpenteante e duas vozes intimistas.    

Registado entre Março de 2014 e Agosto de 2016 em Nova Iorque, Texas, Reykjavik, Los Angeles e Londres, I See You foi produzido por Jamie xx e por Rodaidh McDonald, e como já acontecera há quatro anos, o grupo partilhou uma lista de canções que andou a ouvir enquanto esteve em estúdio.

Não constituem, evidentemente, influências directas, mas é possível perceber por entre a mistura de épocas, géneros e sonoridades (Beach Boys, Walker Brothers, James Blake, Bowie, Avalanches, Portishead, Prefab Sprout, Antony, Mazzy Star, Kelela, Arca, Rihanna, Solange, Frank Ocean, Suicide, Drake) algumas das propriedades constitutivas da identidade sonora do trio. E pelo meio, diz-nos Romy, existe uma canção, o clássico I’ll be your mirror dos Velvet Underground, que viria a originar o título e a capa do álbum, com símbolo do grupo e a imagem dos três olhando – para nós? – por um vidro fosco. The xx acabam de ser confirmados para o NOS Alive, dia 06 de Julho.

Ao primeiro álbum já possuíam uma identidade precisa. Alcançar esse limiar é o desejo da maior parte dos artistas. Mas esse facto também pode ser vivido como conflito numa fase posterior, porque tem que coexistir com o desejo de mudança. Quando a entrevistei, aquando do segundo álbum, afirmava que isso não havia sido uma questão. E desta vez?
Não foi uma questão vivida com conflito, mas falámos muito entre nós sobre o que queríamos expressar. Com o segundo álbum foi diferente. É natural. Estávamos a jogar com as nossas expectativas e com as do público. Nesse sentido foi um disco mais consciente do que o primeiro. E também mais claustrofóbico e autocentrado. Analisámos tudo até ao microscópio. Agora libertámo-nos. Neste disco resolvemos abrir as janelas e deixar entrar luz, sem nos preocuparmos tanto, mas não deixamos de ser nós próprios por causa disso.

Sem deixar de manter uma atmosfera melancólica, a maior parte das canções são mais optimistas e dinâmicas e nota-se uma maior diversidade de soluções sonoras entre os temas. O vosso universo resulta menos monocromático, diversificando-se. Era o que desejavam expressar?
Sim. Acima de tudo existe mais confiança. As letras não falam apenas de desilusão ou ausência, mas também da possibilidade de encontros satisfatórios, e existe mais abertura e vivacidade – sempre gostei desse contraste entre o dinamismo da música e a melancolia das vozes, até porque alcançar alguma luminosidade implicar ter passado pela escuridão. Por outro lado do ponto de vista instrumental e vocal não nos sentimos tão limitados como no passado. Nos concertos fomos experimentando outras possibilidades e desenvolvemos novas competências e tudo isso contribuiu para um disco mais directo e confiante. No início tocar em frente a milhares de pessoas era muito assustador, mas principalmente na última digressão demos um grande salto. Soltámo-nos mais, estendemos as canções, adaptando-as também a palcos maiores e algumas delas tornaram-se mais iluminantes, dançantes e ritmadas. E isso acabou também por ter grande influência nas novas canções.

O novo disco foi criado de forma espaçada ao longo de dois anos em diversos locais. Essa forma de operar foi escolha ou uma contingência?
Um misto das duas coisas. Quando terminámos a digressão em torno de Coexist, no final de 2013, decidimos quase de imediato iniciar a feitura de um novo disco, mas sem qualquer tipo de pressões temporais. Estávamos inspirados nessa altura, começamos a compor e chegámos a testar três músicas novas logo no início de 2014, em Nova Iorque, nos concertos intimistas do Park Avenue Armory, que foram uma experiência muito diferente das actuações em grandes festivais que tínhamos feito até aí. Depois disso fomos para o Texas, naquela que foi verdadeiramente a nossa primeira experiência de gravação fora do nosso domínio londrino, seguindo-se a Islândia e, em Novembro desse ano, Los Angeles. Acabámos por realizar muitas sessões de gravação nesse ano, mas depois na Primavera de 2015 saiu o álbum de Jamie, ele ficou muito ocupado, e o processo emperrou um pouco. Mas o facto de termos gravado antes em diversos locais fez-nos sair da nossa zona de conforto. No passado tudo o que criávamos tinha que poder ser tocado ao vivo. Era uma lei que impúnhamos a nós próprios. Não queríamos ter músicos adicionais e esse tipo de coisas. Por vezes o som resultava mais espaçoso e simples porque tínhamos que jogar com as nossas limitações ou lacunas. Foi aí que toda a gente começou a dizer que éramos minimalistas, mas isso foi apenas o reflexo de sabermos quais os nossos limites. Com este disco saímos desse círculo. Talvez até tenha existido influência do álbum de Jamie, que foi criando as canções sem se preocupar como as iria expor ao vivo. Foi o que fizemos também desta vez. Não nos quisemos limitar à partida.  

Curioso ter dito que o álbum de Jamie xx pode ter constituído uma influência na feitura do vosso novo disco a três. É mais habitual vermos afirmações no sentido contrário – os discos a solo terem como referência o que foi feito em grupo. Como olha esse percurso solitário de Jamie?
Com orgulho e também alguma surpresa. Nos nossos concertos Jamie é o que está atrás de nós, não existe tanta interacção com ele como acontece com Oliver, por isso vê-lo em palco, sozinho, dominador e solto, às vezes a trabalhar canções com as nossas vozes, é sempre um motivo de espanto.

Foi fácil de gerir o facto de, em determinada altura, Jamie andar em digressão, Oliver estar Londres e você a habitar em Los Angeles?
Não. Com Jamie em viagem e eu noutro país durante imenso tempo (embora Londres continue a ser a minha cidade) acabámos por nos confrontar pela primeira vez com a distância geográfica, física e emocional. Nunca tinha acontecido. Pela primeira vez tomámos consciência que poderíamos ter percursos diferentes. Foi estranho. Mas ao mesmo tempo foi um desafio à nossa amizade. Percebemos que estávamos os três a mudar, com o que isso pode ter de desestabilizador, mas ao mesmo tempo foi sintoma de crescimento termos aceitado isso. Em determinada fase, quando nos juntámos, eu e Oliver, que nos conhecemos praticamente desde sempre, sentimos a falta de Jamie, afinal é o nosso melhor amigo há mais de quinze anos, mas esforçamo-nos por seguir em frente e acabámos por trabalhar de forma próxima. Dialogámos bastante, desafiamo-nos e desenvolvemos novas formas de trabalhar em conjunto porque Jamie estava longe e tivemos tempo para o fazer. E quando voltámos a estar os três juntos foi óptimo perceber que nada de essencial havia mudado. Apenas tínhamos estado separados uma longa temporada.

Compuseram o álbum numa altura instável do mundo em termos políticos, sociais ou económicos. As letras poderiam reflectir essa entidade colectiva, mas optam sempre pela perspectiva emocional individual. Nem aquando do Brexit tiveram a tentação de o fazer?
É verdade, vivem-se dias incertos, mas para mim a música funciona mais como refúgio do que como espaço de denúncia. Gosto de ouvir música quando estou preocupada ou a passar por um mau bocado. É uma forma de escape, ao mesmo tempo que permite outro tipo de entendimento sobre mim própria. Ajuda a compreender-me. Reconcilia-me com coisas importantes. É por isso que escrevemos sobre emoções. O que não significa ausência de preocupações políticas num sentido mais colectivo. Pelo contrário. Nunca estivemos tão atentos. O Brexit foi evidentemente qualquer coisa vivida por nós como algo de muito negativo e que lamentamos. Sentimo-nos europeus e acreditamos na colaboração entre pessoas, países e povos, mesmo que isso não esteja inscrito nas nossas canções, pelo menos de uma forma directa.

Foto

O que voltaram a fazer foi partilhar na internet uma lista de canções que andaram a ouvir aquando das gravações, o que é um processo oposto ao da maior parte dos artistas que não gosta muito de falar de ascendências e muitas vezes, inclusive, se recusa a ouvir música de outros grupos quando está a criar. É uma forma de dizerem que ninguém cria a partir do nada, mas sim do caos de referências que nos circunda?
Não se trata de marcar uma posição. É mais uma forma de dialogarmos com quem nos segue, partilhando música de que gostamos e mostrando que somos como qualquer outro fã de música. Enquanto grupo claro que somos influenciados pelos mais diversos tipos de música e a lista que partilhamos reflecte isso. Todos nós ouvimos os mais diversos tipos de música e quando estamos juntos tentamos fazer qualquer coisa onde os três nos possamos envolver. E é essa junção de diferentes estímulos que origina o que somos. Quando partilhamos essa lista partimos do pressuposto que as pessoas são inteligentes, percebendo que o álbum não vai soar a nada em particular. Acaba por ser apenas uma pequena tradução da música de que gostamos.

Dessa lista constava I’ll be your mirror, uma canção de 1967 dos Velvet Underground, que parece ter sido fundamental na concepção do título e da capa do álbum. O que é que essa canção significa nesse contexto?
É uma canção que o meu pai costumava ouvir muito, transporta-me para a minha infância e continua a ser, tantos anos depois, uma das minhas preferidas. De alguma forma é uma canção que reflecte e condensa o que tentamos fazer com este álbum, trabalhando essa ideia de que um amigo ou amante pode ser um espelho de nós próprios, dando-nos a ver coisas que temos dificuldade em vislumbrar ou, noutras situações, nos recusamos a ver.

Acaba por ser também sobre as transformações da vossa relação?
Sim, mas não de forma directa. Não foi isso que nos motivou. Adoro essa ideia de alguém poder ser como um espelho para nós, devolvendo-nos coisas das quais não temos consciência. Mas, sim, acaba por ser também uma canção que remete para a nossa amizade a três, embora tenha um sentido universal porque todas as pessoas querem ser compreendidas e aceites até certo ponto. Numa dos versos mais bonitos ouve-se a Nico a cantar “please put down your hands ‘Cause I see you” e foi essa passagem que acabou por despoletar o título e, mais tarde, também a imagem da capa do disco.

O sucesso, a pressão, as viagens constantes, a mudança, a proximidade tal como a distância, podem constituir cenário para conflitos latentes. Como é gerir essa amizade a três num contexto desses?
É como qualquer outra relação, tem de ser cuidada e temos de lhe prestar atenção. Claro que existem situações de discordância, altos e baixos relacionais, mas somos quase irmãos, conhecemo-nos bem e isso ajuda.  

Anos depois como justifica a vossa popularidade, tendo em atenção que no início não era óbvio que tal viesse a suceder? Hoje é possível ouvir a vossa música um pouco por todo o lado, do café ao centro comercial, o que também a pode vulgarizar. Sente algum tipo de estranheza ao ouvir dessa forma canções que foram criadas num espaço de recolhimento?
Sim. É uma contínua surpresa. Honestamente não esperava que pudéssemos ser tão populares. Não é falsa modéstia. É mesmo verdade. Quando fizemos o primeiro álbum fizemo-lo para nós e o facto de tanta gente o ter ouvido ainda constituiu um mistério para mim. Talvez tenha a ver com a honestidade que pomos no que fazemos. Não sei. Mas, sim, ainda me sinto espantada quando oiço a nossa música por aí. É verdade que esse perigo de banalização existe mas é difícil de contrariar. Às vezes a minha família vai a um café e telefona-me para dizer que ouviram a nossa música. Isso deixa-os felizes. E a mim também, acho. É sinal de identificação e de que essa partilha da intimidade criou vínculos. Não pensamos muito sobre isso, mas toda a gente que cria algo acaba por desejar que aquilo que faz seja o mais universal possível. É sintoma de que a nossa vida está conectada com outras vidas.

Sugerir correcção
Comentar