O Outono da nossa coeXXistência

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Tímidos, minimalistas, até um bocadinho obscuros: o cosmos vulnerável dos The xx permance intacto ao segundo álbum JAMIE-JAMES MEDINA

Minimalista, monocromático, hipersensível. Em 2009 era assim o universo singular dos The xx. Continuamos a dançar melancolicamente com eles nesta rentrée em que lançam Coexist.

É difícil imaginar outro disco que tenha gerado um culto tão oportuno: uma pop minimalista, espaçosa, opaca, quase a banda sonora da Europa de hoje, ou o retrato fiel de uma geração cansada de promessas que nunca se cumprirão. Foi em 2009 e os The xx, parecendo vindos do nada, tinham 20 anos quando lançaram o álbum de estreia homónimo. Agora, Romy Madley-Croft, Oliver Simm e Jamie Smith têm 23 anos, lançam o segundo álbum Coexist, o mundo continua um lugar pouco recomendável e eles optam por solidificar o universo erguido sem prescindirem de progredir noutras direcções. As canções voltam a ser esqueléticas, mas agora a contemplação também se faz a partir de dinâmicas rítmicas mais ágeis. Os detractores - que cresceram, como sempre, na proporção do sucesso do grupo - não terão razões para mudar de opinião. Mas quem se reviu no seu cosmos vulnerável não os vai abandonar.

No dia seguinte ao concerto no Primavera Sound, falámos com Romy Madley-Croft. Algumas canções do novo álbum ainda não tinham sido alvo das misturais finais,, mas ela não se coibiu de falar sobre Coexist, o disco que vai alargar o culto xx, depois da aclamação generalizada.

Aquando do lançamento do primeiro álbum dizia-nos que não tinha qualquer experiência em entrevistas e que por isso ficava intimidada. Depois da aclamação do álbum de estreia ainda se sente da mesma forma?

Nem por isso. Quando lançámos o primeiro álbum era tudo novo, não sabíamos o que esperar de muita coisa, uma delas as conversas com os jornalistas. Ao longo destes anos, não creio que nos possamos queixar. De forma genérica temos sido bem tratados pela imprensa. Claro que nem sempre nos reconhecemos naquilo que é escrito sobre nós, mas isso não podemos controlar. Agora que nos preparamos para lançar o segundo disco, é um pouco estranho estar aqui a falar consigo. Ainda mal terminámos o álbum. Algumas canções nem sequer estão na sua forma final, mas ao mesmo tempo é interessante reflectir sobre o que estamos a criar neste preciso momento.

No palco, sem deixarem de assumir uma atitude discreta, percebe-se que estão mais à vontade do que há três anos. É apenas mais experiência ou a reacção entusiasta do público, que chega a cantar as vossas canções de uma ponta à outra, também contribuiu para isso?

Temos consciência de que nenhum de nós nasceu propriamente performer. Cantar, dançar ou interagir com o público não é algo para que tenhamos qualquer talento natural. Tanto quanto sei nenhum de nós, em criança, dançava ou cantava em família. É uma pena [risos], porque entretanto aprendemos a gostar de o fazer, embora ao início tenha sido muito difícil. Forçámo-nos a fazê-lo. Mas depois de tantos concertos a dimensão do prazer suplantou em muito os inconvenientes e até algum sofrimento inicial. A grande diferença destes anos é essa: hoje estamos mais confiantes. Mas, claro, ainda nos surpreendemos quando o público começa a cantar em coro, como aconteceu ontem no Porto, principalmente quando estamos a apresentar canções novas que quase ninguém conhece. É sempre um pouco estranho, porque as nossas canções não são propriamente cantaroláveis, mas ao mesmo tempo é muito emocionante e tranquilizador, principalmente quando se entra nervoso em palco, como ainda nos acontece.

Logo ao primeiro álbum expuseram uma identidade sonora muito marcada, o que é o desejo de qualquer projecto, mas também levanta questões difíceis de resolver num segundo disco. Aprofundar ou transformar, como é que foi vivido esse conflito?

Pode parecer que quero fugir da pergunta, mas na verdade não existiu conflito. Nunca nos sentámos os três a discutir ou a pensar seriamente como é que iria ser este disco.

Mas nem que seja inconscientemente, essas variáveis devem ter estado presentes numa fase inicial.

Quando regressámos dos concertos e das digressões, desejávamos apenas algum tempo para nós, voltar a ter uma vida normal. Demorámos algum tempo até compor algumas canções novas. E aconteceu tudo de forma muito natural. O álbum acaba por ser diferente do primeiro porque crescemos, porque tocámos imenso ao vivo, porque fomos experimentando algumas dessas canções em concertos e, nesse sentido, transformámo-nos em termos musicais. Mas não deliberámos entre nós que iria ser dessa maneira. Aconteceu. Com o primeiro álbum não foi muito diferente. Estranhámos quando as pessoas começaram a dizer que a nossa música era "minimal". Nunca tínhamos pensado nisso. Para nós eram apenas as nossas canções, que criámos com os meios à nossa disposição. Aconteceu dessa maneira porque desde o primeiro momento tínhamos presente a ideia de tocarmos ao vivo com simplicidade, recorrendo a uma parte de guitarra, a um baixo e a duas vozes. A caixa de ritmos está lá apenas porque não tínhamos baterista... [risos]. Estava assente que não queríamos basear a nossa música em exclusivo no computador: tudo o que estava nas canções tinha de ser replicado instrumentalmente ao vivo. Acabámos por jogar com algumas das nossas limitações. Ainda hoje, quando sentimos que qualquer coisa não funciona numa canção, tendemos a retirar um elemento em vez de adicionar outro.

Essa simplicidade volta a estar presente neste disco. As eventuais fragilidades de que fala podiam ter sido entretanto suplantadas. Isto é, desta vez podiam ter optado por uma maior elaboração, agora que adquiriram mais experiência.

Sim, é verdade. Mas entretanto essa forma de operar tornou-se opção. Percebemos que gostamos de funcionar assim. Do excesso, da complexidade inútil tendemos a fugir deliberadamente. Desde o início que não queremos entrar na tentação de colocar elementos desnecessários, orquestrações e esse tipo de coisas, que toda a gente gosta de introduzir. Mesmo em termos de processos, este álbum não foi assim tão diferente do anterior. No início, eu e Oliver trabalhámos separadamente, como se fôssemos artistas em nome próprio... [risos]. Comunicámos apenas por e-mail. Enviámos ideias, reagimos um ao outro. Acabámos por escrever quatro canções em conjunto, o que também foi novidade. Depois, em estúdio, as coisas foram mais fáceis: apresentámos partes da música a Jamie, que lhes atribuiu a sua visão própria. Neste disco sentimo-nos muito mais próximos uns dos outros. Foi um verdadeiro trabalho de grupo. A contribuição de cada um para as canções acabou por ser mais bem mais efectiva.

Jamie xx parece ter tido um papel mais relevante neste álbum, visível em canções como Reunion ou Sunset, em que existe uma direcção mais dançante, embora sem privação da identidade do grupo.

A verdade é que todos nós gostamos de elementos de música house, mas Jamie é sem dúvida o grande especialista. Ele levou para estúdio muitos discos de house dos primórdios, coisas dos anos 70 e 80 que eu e Oliver não conhecíamos, e ficávamos muito surpreendidos com o que íamos ouvindo. Mas este não é um disco de música de dança convencional, até porque a música de dança que Jamie aprecia é feita de silêncios e de ambientes obscuros, embora essas canções em particular até sejam solares e com percussões tropicais. Ele consegue com muita facilidade incorporar elementos de qualquer tipo de música e torná-los genuinamente dele, através de ritmos e efeitos e essas coisas. É uma qualidade única que ele foi desenvolvendo nos últimos anos, não só através das sessões como DJ, mas também da reflexão acerca de como ajustar as nossas canções ao formato de concerto. Ele é insuperável nisso.

A maior parte dos grupos tem reticências em falar das suas referências, como se isso os diminuísse. Vocês, pelo contrário, optaram por criar um blogue durante o processo criativo onde foram colocando diariamente canções, vídeos e imagens.

Não somos muito bons no Twitter ou no Facebook, mas agrada-nos a ideia de nos sentirmos próximos daqueles que gostam de nós. Afinal, também somos fãs, também admiramos imensa gente da música. O blogue acabou por funcionar como espaço de partilha e comunicação. Foi a nossa forma descomplexada de partilhar aquilo de que gostamos, seja o R&B, a música de Aaliyah ou house melancólica. Algumas dessas coisas acabam por servir-nos de inspiração inevitavelmente, mas mais do que isso interessou-nos ter um canal de comunicação. E o que as pessoas fazem no Facebook é isso: colocar as suas canções preferidas de determinado dia para quem as quiser ouvir. Muitas delas não constituíram influências directas. Eram apenas as canções preferidas daquele dia.

De qualquer forma é difícil não vislumbrar, a partir das vossas escolhas, que têm uma amplitude de gostos vasta, que se passeiam por várias épocas e que não fazem grandes distinções entre aquilo que é suposto ser para massas ou para minorias.

Sim, é verdade. Não me faz grande sentido procurar na música esse tipo de divisões. Talvez há alguns anos essas distinções estivessem mais presentes no espírito das pessoas, mas não creio que hoje aconteça. Pelo menos eu e os rapazes não o sentimos. Uma das artistas que eu e Oliver mais discutimos nestes meses foi Sade. Ela é uma das artistas de maior sucesso de sempre em Inglaterra e não só, mas mantém uma grande reserva sobre a sua vida pessoal e faz o que lhe apetece. Além disso, a sua música é profundamente emocional. Respeito-a imenso. É uma perfeccionista: está sempre a ser pressionada para lançar discos e fazer digressões e apenas o faz quando quer. O mesmo com Beyoncé, por exemplo. Tem bastante sucesso, mas consegue ser íntegra e é uma cantora verdadeiramente excepcional.

Depois do sucesso do vosso primeiro álbum, mais música contemplativa e minimalista (Drake, Frank Ocean, James Blake) foi alcançando sucesso no centro do mercado. Terá sido uma influência directa dos The xx?

Talvez a música pop mais popular se tenha tornado um pouco mais introspectiva e vulnerável nos últimos tempos, mas não sei se existirá uma relação directa connosco. Somos todos fãs de Frank Ocean, por exemplo, mas existe por aí imensa música a ser feita de que gostamos. Os Chromatics, por exemplo, que fizeram um magnífico segundo álbum; o mesmo com Grimes, ou com os Beach House.

Revêm-se na ideia de que existe um culto em vosso redor, pela música, mas também pela iconografia, pelo mistério, pela forma como utilizam parcos recursos - pelo facto de terem criado um universo só vosso, o que pode ser encarado como uma forma de reacção ao mundo convulso que vivemos hoje?

Revemo-nos na ideia de que o impacto do nosso disco pode ter contribuído para que outras pessoas começassem a fazer as suas coisas sem medos, sem pensarem muito se estão ou não alinhadas com aquilo que é suposto funcionar. Talvez tenhamos aparecido numa altura em que as pessoas andavam à procura de qualquer coisa de novo, sem grandes artifícios. Talvez se sentissem excluídas - da política e também da música que prevalecia por aí - e tenham vislumbrado em nós aquilo de que andavam à procura. Mas é difícil perceber.

Há pouco evocava os concertos, as viagens, o contacto com o êxito e a experiência adquirida para justificar algumas transformações sonoras. Essa nova realidade podia também estar reflectida nas letras, mas isso não se sente.

Até certo ponto é verdade, embora as letras traduzam agora outras emoções, a perda, a mudança. Algumas das letras do primeiro álbum foram escritas quando tínhamos 16 ou 17 anos. É natural que agora estejam mais complexas, embora mantenham um grau de abstracção muito grande. Qualquer pessoa se pode relacionar com aquilo que dizemos e isso é importante. No primeiro álbum não sabíamos a quem nos estávamos a dirigir. Agora foi diferente. Sim, podíamos ter escrito sobre uma série de coisas que nos aconteceram desde 2009, mas continuamos a ser as mesmas pessoas. Ontem, no Porto, tínhamos uma multidão à frente e depois dos concertos as pessoas vêem ter connosco, mas horas mais tarde regressamos a Londres, à nossa casa, aos nossos amigos, à normalidade.

É difícil acreditar que o reconhecimento não tenha tido consequências na vossa vida privada.

A sério, não teve grandes consequências. Continuo a ir ao supermercado quase todos os dias. Às vezes olhamos em volta e achamos tudo um pouco absurdo, as digressões, os hotéis, e só nos apetece voltar para casa e ficarmos fechados a ver TV o dia todo. Outras vezes pode ser muito recompensador.

O título do álbum (Coexist) pode ter muitas leituras. Um delas pode remeter para a actualidade. Um mundo em crise, desconexo, onde parece não existir outra solução se não a coexistência.

É uma boa leitura, agrada-me... [risos]. Cada pessoa terá a sua. É uma palavra muito bonita. Quando penso nela imagino duas coisas simples que se unem e fazem nascer qualquer coisa de muito belo. Se cada um de nós fizesse música separadamente, o resultado seria muito diferente. Temos gostos diversos, mas quando nos juntamos coexistimos, criamos compromissos, aprendemos uns com os outros, e isso é fantástico. Mas podemos utilizar a palavra também para caracterizar relações entre nações, sim.

É fácil coexistir num grupo e num meio dominado pelos rapazes?

Somos amigos. Somos como irmãos. Eles são a minha família. Às vezes há compromissos e cedências, mas isso faz parte de todas as relações.

Ver crítica de discos págs. 36 e segs.

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