Ensaio sobre o Amor

O amor de hoje é descartável, tímido, pobre e raquítico. Com o passar do tempo fomos começando a ter vergonha do velho amor. Deixámos de olhar as pessoas nos olhos e passamos a vê-las através de ecrãs

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O amor mudou. Apercebo-me disso com tristeza e frustração. Estou profundamente desiludida com este novo paradigma romântico que fomos criando sem nos apercebermos, como quem vai alimentando a besta que está escondida no sótão sem notar que se está a transformar num monstro voraz e incontrolável.

Quando os meus pais se conheceram tinha ela 14 e ele 17 anos. Viram-se, falaram-se, apaixonaram-se. Separaram-se pouco depois, porque o meu avô só permitiria que a minha mãe namorasse quando completasse 18 anos. Trocaram algumas cartas mas por pouco tempo — o pombo correio, por razões que ainda hoje desconhecem, deixou de as entregar. Ficaram quase quatro anos sem qualquer tipo de contacto. Durante esse interregno, a minha mãe recusou várias tentativas de aproximação de membros do sexo oposto. O meu pai não foi assim tão fiel ao romantismo (caso para dizer "homens"?). No entanto, e é isto que realmente importa, no dia em que a minha mãe atingiu a maioridade, recebeu um telegrama a felicitá-la pelo aniversário. E quando atendeu o telefone que tocava na sala ouviu do outro lado "Posso ir buscar-te ao trabalho hoje?". E ficaram juntos até ao fim.

Esta espécie de amor, temo, já foi extinta. O amor de hoje é descartável, tímido, pobre e raquítico. Com o passar do tempo fomos começando a ter vergonha do velho amor. Deixámos de olhar as pessoas nos olhos e passamos a vê-las através de ecrãs. Deixámos de respeitar e admirar e passamos a controlar e a desconfiar. Deixámos de lutar e passamos a substituir. E o mais triste de tudo: deixámos de dizer "amo-te". Quando é que dizer "amo-te" passou a ser humilhante? Em que momento das nossas vidas é que passámos a ter de esconder ou diminuir a importância daquilo que sentimos? Como é que tão rapidamente regredimos de uma era em que se respirava romantismo para uma em que quando sentimos aquela palavra na ponta da língua forçamo-nos a mordê-la? O amor tornou-se num jogo, numa competição em que o objetivo principal é provarmos ao outro que conseguimos ser ainda mais frios, mais distantes, mais insensíveis do que ele. Chamam a isto "independência". Eu chamo a isto medo. Tornámo-nos cobardes. Temos tanto medo de nos darmos, que acabamos por nos contentar com esta ausência de intensidade, com este amor que não nos faz justiça, enquanto humanidade. Não assumimos compromissos, não colocamos a nossa alma em nada, não mergulhamos com medo do afogamento. Ficamos ali na margem, a olhar para as profundezas, curiosos. Às vezes deslizamos os dedos pela água para sabermos qual é a sensação. Mas nunca mergulhamos. Medo de sofrer, dizem alguns. Sem se aperceberem que um dia não vão poder mergulhar mais. E, esse sim, é dos piores sofrimentos por que terão de passar - o arrependimento de não terem vivido.

Por isso, àqueles que ainda tiverem uma réstia de coragem a circular nas veias, amem. Amem as pessoas, amem o que fazem, amem o sítio onde estão, amem-se. Comprometam-se. Não passem pela vida porque ela passa demasiado depressa. E quando sentirem vontade, digam "amo-te".

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